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31 de jan. de 2009

AMAZÔNIA EM CAPÍTULOS: II – O GADO AVANÇA... E COM ELE, ALGUNS MOTIVOS PARA COMEMORAÇÕES E MUITOS PARA INQUIETAÇÕES











Comemorações Em 2007 pela primeira vez a Amazônia Legal ultrapassou uma marca histórica: 10 milhões de abates bovinos. O rebanho atingiu aproximadamente 74 milhões de cabeças de gado (3,3/habitante), ou seja, o triplo da média nacional (documento “O Reino do Gado: uma Nova Fase na Pecuarização da Amazônia Brasileira”, em PDF, de http://www.amigosdaterra.org.br/). As médias maiores são de Mato Grosso (9,3) e Rondônia (7,7). Os investimentos provêm principalmente de grandes grupos financeiros; os pequenos produtores são esquecidos. Um exemplo: o grupo Banco Opportunity, do ora famoso banqueiro Daniel Dantas, adquiriu fazendas de grande porte em sete municípios do sul do Pará.
Em 2006 o Brasil exportou U$2,2 bilhões de carne bovina, figurando entre os 10 primeiros itens de maior exportação do país. A participação da Amazônia nas exportações de carne cresceu expressivamente entre 2000 e 2006, passando de 6% (10 mil toneladas) para 22 % do total (263,7 mil toneladas); em parte, “graças à febre aftosa” que atingiu gado em MS e PR, principalmente. MT foi o principal exportador.
Alguns fatores apontados como responsáveis pelo crescimento da pecuária na região: (1) baixo custo da terra (terras públicas passíveis de serem ocupadas ilícita e impunemente); (2) a pecuária antes praticada no sul do país sendo empurrada para o norte devido ao aumento da pressão por terras para plantios de cana-de-açúcar e soja; (3) geração de tecnologias de intensificação e manejo (com vários aspectos: introdução de espécies de gramíneas e leguminosas melhor adaptadas; pecuária com gestão empresarial; inseminação artificial para melhoramento genético do gado principalmente do zebu; formulação para suplementação de alimentação mineral adequada; etc.).
Inquietações Em documento do IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (2008) (disponibilizado em PDF, em http://www.imazon.org.br/), sob título “A Pecuária e o Desmatamento na Amazônia na Era das Mudanças Climáticas”, os autores P. Barreto, R. Pereira e E. Arima apontam diversos fatores que conduziram ao desmatamento acelerado na Amazônia entre 1990 e 2006: foram desmatados 30,6 milhões de hectares (= 306.000 km2) na região, conforme estimativas do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2007). Descontados dessa área os 5,3 milhões de hectares (ou 53.000 km2) destinados à agricultura e reflorestamento (de acordo com dados do IBGE/2007), aqueles autores estimam que cerca de 25,3 milhões de hectares (ou 253.000 km2) foram potencialmente ocupados por pastos entre 1990 e 2006. Outro fator apontado como importante no desmatamento foram os subsídios financeiros públicos para a pecuária. “Grilagem” (ilegalidade de títulos de terras públicas) é um terceiro fator (cerca de 70 milhões de hectares ou 700 mil km2 nessa situação; isso somente em 2001). Já em 2003, segundo o primeiro autor acima citado (em outro de seus trabalhos), havia 42 milhões de hectares ou 420.000 km2 de posses ilegais (equivalentes à soma dos territórios de cinco Estados brasileiros: SP, RJ, ES, PB e SE).
Outros dados estatísticos importantes são apresentados pelos autores do artigo de divulgação do IMAZON, acima citado; incluindo as medidas tomadas pelo governo federal (como a redução de 50% para 20% a área que poderia ser desmatada; emissão de multas contra ações ilegais; investigações contra a corrupção para o licenciamento ambiental...) ... e apesar disso tudo, o desmatamento aumentou. O que “regulou” o desmatamento foram os preços da soja e do gado, que arrastaram para baixo os dados do desmatamento. O capitalismo é assim mesmo! Está acima, até mesmo do senso de preservação da vida!
Nesse documento do IMAZON os autores concluem, com respeito ao uso do crédito rural: “O crédito rural subsidiado para a Amazônia deveria excluir a agropecuária, pois indiretamente estimula o desmatamento. Se for para manter algum tipo de subsídio para a região, que seja direcionado para atividades que produzam benefícios públicos como os serviços ambientais e ecológicos – por exemplo, o reflorestamento que estimula a conservação da biodiversidade e o seqüestro de carbono”.
A taxa de lotação, ou seja, número de cabeças de gado por área de pastagem aumentou entre 1995 e 2006 de 0,7 cabeça por hectare para 0,96 cabeça por hectare. A média regional é 1,4. Depende tal variação de alguns fatores, como: condições de fertilidade e de manejo do solo, seu uso anterior, manejo do pasto, proveniência genética do gado e do seu próprio manejo. É digno de destaque (do documento “O Reino do Gado”...) o fato de que “os pastos recentemente convertidos de florestas possuem a maior fertilidade, um fator que contribui para estimular a expansão da fronteira pecuária”, observação esta reforçada pelo documento do IMAZON: “os pastos novos podem ter até o dobro da lotação de pastos antigos não-renovados”. Daí é fácil concluir: mais trechos de floresta serão derrubados. O modelo amazônico parece se perpetuar: venda da madeira financiando a derrubada da floresta, queima e introdução de pastagens.
Vários outros aspectos geram mais preocupações: (1) pastagens implantadas em áreas inapropriadas (algumas abandonadas posteriormente); (2) baixo investimento na recuperação de pastagens; (3) dado da Embrapa (desde os anos 90): o custo de recuperação de pastagens pode ser quatro vezes maior do que o da utilização de novas terras; (4) redução da umidade do solo (ver foto acima); (5) carência de políticas públicas na área fundiária: impunidade na apropriação indevida; (6) crédito sem restrição para atividades ilegais; (7) falta de zoneamento agroecológico. E ainda: dos mais de 200 frigoríficos existentes, somente 87 operam com base de legalidade (com o SIF – Sistema de Inspeção Federal); mais de 73% dos frigoríficos exportadores adquiriram carne de fazendas com trabalho escravo em 2006-7; falta de incentivo fiscal para converter sistemas de produção extensivos em intensivos sustentáveis (com adequação à legislação, tecnologias, gerenciamento...).
A Amazônia Legal (área delimitada para fins de planejamento, contendo a floresta amazônica, cobre superfície de 5.217.423 km2 = 61% do território brasileiro), compreende nove Estados: RR, AP, AM, PA, MA, AC, RO, MT e TO. A área desmatada acumulada na Amazônia Legal atingiu em 2007, cerca de 720.000 km2. O PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente revela agora em janeiro/2009 que 17% da floresta (=857 mil km²), incluindo cinco dos países onde ela existe, já foram devastados (exceções: na Venezuela e Peru).
E agora a pergunta: é fácil continuarmos na defesa peremptória de que a Amazônia é nossa e assim, cabe somente a nós dizer o quê deve ser feito dela??? Mais capítulos virão neste “blog”, antes que “como ecólogo, e o agravante de ser brasileiro” eu responda a tal pergunta.

28 de jan. de 2009

AMAZÔNIA EM CAPÍTULOS: I – FORUM ECONÔMICO DE DAVOS versus FORUM SOCIAL MUNDIAL DE BELÉM



















“GRANDÕES DO PRIMEIRO MUNDO versus ANÕES DO TERCEIRO” Subtítulo adequado para os participantes de dois encontros que estão acontecendo agora, no final de janeiro/2009. Com várias distinções: os primeiros são conhecidos pelo eufemismo “atores decisivos da sociedade” e os “outros” certamente, nem serão lembrados que existem! Os “grandões” estão reunidos em Davos, na Suiça; e os “outros” em Belém/PA, Brasil. O debate no encontro dos líderes mundiais e seus convidados especiais será unicamente a crise financeira mundial; daí a presença entre os 2500 convidados, de executivos “seniors” dos maiores bancos do mundo. E os “outros” estarão discutindo sobre a destruição da Amazônia.
DESTRUIÇÃO DA AMAZÔNIA Sendo este o tópico principal das discussões no Fórum Social Mundial em Belém, começaremos com ele os capítulos desta série resumida (aqui neste "ecologiaemfoco") sobre a maior floresta tropical contínua do mundo.
Em três sucessivas edições especiais, a revista Scientific American Brasil publicou no final de 2008 artigos sobre as “Origens, os Tesouros e os Destinos” da Amazônia. São impressionantes e preocupantes os dados sobre a devastação já perpetrada e as previsões para o futuro desse fabuloso patrimônio natural. Na edição “Destinos” o ecólogo Philip Fearnside (que tem dezenas de anos de experiência de estudos na região) e o especialista em detecção da devastação (por satélite), Paulo Maurício L. de A. Graça (ambos pesquisadores do INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), no artigo “Veias que Sangram”, enfatizam os efeitos decorrentes da expansão das rodovias na devastação da Amazônia, tendo começado com a BR-364 (originada em Cabedelo/PB), dirigindo-se para a região centro-oeste, passando em Cuiabá/MT até atingir Porto Velho/RO. Vieram em seguida: a Transamazônica (de Altamira/PA a Porto Velho), depois a BR-163 (de Santarém/PA a Cuiabá/MT) e mais recentemente a BR-174 (de Boa Vista/AP a Manaus/AM), continuada pela BR-319 (de Manaus a Porto Velho). A conservação dessas estradas em locais onde a precipitação pluvial média anual é de 2200 mm, seria apenas mais um dos detalhes que mereceriam destaque.
Não podemos esquecer o desastre da migração para Rondônia, incentivada pelo governo estadual na “Década da Destruição” (1980-90), quando quase 200.000 pessoas migraram anualmente para aquela região, para tomar posse de terras imprestáveis para a agropecuária. Tudo graças à BR-364 e uma outra rodovia chamada de “Estrada de Penetração 429”, construída com financiamento do Banco Mundial (que levou anos para reconhecer o erro e pedir desculpas ao povo brasileiro).
O ambiente sem lei e a impunidade permeiam toda a atividade econômica e os grupos sociais na região; afirmam os referidos autores acima. E ainda: “o caráter “fora-da-lei”, significa que boas intenções por parte de planejadores do governo têm pouca relevância na maneira como o desmatamento, exploração madeireira e o fogo podem se expandir na prática”. As estradas vicinais que surgem e surgirão ao longo dessas rodovias exercem efeito devastador difícil de ser controlado (ver foto, acima). Esta histórica opção brasileira pelo sistema “transporte rodoviário” gera conseqüências devastadoras imprevisíveis. Ao contrário de ferrovias, que gerariam efeitos pontuais, ou seja, na dependência das estações ferroviárias (que poderiam ter longas distâncias entre si), podendo assim a exploração na Amazônia ser melhor controlada.
Surge no Brasil amazônico a expressão “Arco do Desmatamento” (ou “Arco de Fogo”) uma imensa área de devastação da Amazônia, em forma de meia-lua estendendo-se da Belém-Brasília na Amazônia oriental, atravessando toda a região florestal em contato com o cerrado em Mato Grosso, continuando ao longo da BR-364 até a parte oriental do Acre. A outra foto acima mostra o que “nos espera” no futuro próximo. Esta imagem está sendo reproduzida constantemente em muitas fontes de informação, parecendo-me até que há intenção de nos tornar acostumados a esse “novo panorama da Amazônia”; ou seja, a verdadeira floresta se reduzirá a uma porção no noroeste da região, que poderá escapar da destruição; principalmente por encontrar-se distante das rotas de escoamento da produção e de grandes centros consumidores. A cidade de Porto Velho, por outro lado, situa-se em melhor condição para o escoamento da produção (soja, minérios...), inclusive estando mais próxima de rota pelo Pacífico. Daí ser essa cidade destino final dessas rodovias. E também não é à toa que lá estão sendo construídas duas hidrelétricas (Jirau e Santo Antonio no rio Madeira; esta última multada recentemente pelo IBAMA pela morte de 11 toneladas de peixe). Este é um pequeno exemplo do descaso dos empreendedores com a Natureza. Pessoas que pensam sobre a Amazônia como uma "commodity" estão no Fórum Econômico, em Davos. E aquelas que sofrem diretamente as conseqüências, estão no Fórum Social, em Belém.
Alguns detalhes das reservas criadas nas áreas do “Arco do Desmatamento”, que teoricamente escapariam da destruição total, assim como os “furos” já em andamento nas “APAs – Áreas de Proteção Ambiental”, detectados pelo Landsat, podem ser vistos no artigo de P. Fearnside e P.M. Graça.
A manipulação política das notícias veiculadas na mídia, do tipo “A Devastação da Amazônia Está se Reduzindo”, tem a intenção de camuflar o malefício maior: a somatória da devastação já ocorrida, ao longo dos dois governos FHC e (agora) dos dois governos Lula. Veja o quadro acima.
Enquanto os “grandões” decidem tudo, os “anões” apenas apresentam manisfetações de sua existência. Pela foto divulgada internacionalmente na mídia sobre o Forum Mundial Social no Pará (ver acima), talvez tenha ele repercussão de caráter mais folclórico do que eco-sócio-econômico.
Penso eu que um dia a humanidade (principalmente nós brasileiros) lamentará sua omissão diante de tais atrocidades praticadas contra a Natureza.

26 de jan. de 2009

“A TRAGÉDIA DOS COMUNS” ESTÁ CAINDO NO ESQUECIMENTO



“Controverso como somente ele soube ser”, o ecólogo americano Garret Hardin (nascido no Texas em 1915), criou fama não somente pelo seu livro “The Tragedy of the Commons” (A Tragédia dos Comuns), mas também pelos seus ataques ao iminente desastre da superpopulação humana e sua defesa ao best seller “The Bell Curve” (R. Herrnstein e Charles Murray, de 1994) (“A Curva do Sino”, expressão da estatística). Neste livro os autores preconizam que “aqueles muito inteligentes, a chamada elite cognitiva se separará da população de inteligência abaixo da média (uma tendência social perigosa); e discutem ainda sobre as diferenças raciais quanto à inteligência”, conforme sugere o subtítulo desse livro: “Estrutura de Classe e Inteligência na Vida Americana”. Acreditando que cabia ao próprio indivíduo a livre escolha do tempo em deveria morrer, Garret Hardin cometeu suicídio em sua casa, junto com a esposa, em setembro de 2003, aos 88 anos de idade (e sua esposa aos 81 anos). Teve ele sua “própria tragédia”.
Em que pese dúvidas sobre o caráter humanitário de seus pensamentos, nesta sua obra (de 1968) este autor descreve com certa antecipação histórica um dilema sempre presente em nossas ações: “pessoas praticando ações em interesse próprio, destruindo recursos que deveria compartilhar com as demais pessoas, mesmo que esteja perfeitamente claro que tais ações jamais deveriam ser perpetradas”. Na Tragédia dos Comuns, Garret Hardin utilizou-se da expressão “Efeito Catraca” exemplificando com a ajuda em alimentos que é dada a certos povos que morreriam de fome e que, se continuam vivos, se multiplicarão durante os tempos de bonança e assim, tornarão maiores as novas crises que surgirem, uma vez que o suprimento de alimentos não terá crescido. Alguns diriam: raciocínio perverso, mas real. E outros diriam o inverso. Não é à toa a controvérsia que esse autor gerou com suas idéias.
Tal expressão, que nós brasileiros preferimos chamar de “Efeito Cascata”, pode ser ilustrada em termos gerais, pelo fato de que nossas conquistas tecnológicas e de domínio sobre a Natureza nos levam à dúvida sobre se tais conquistas são realmente importantes para o bem-estar humano e uma boa qualidade de vida, ou se simplesmente só fazem aumentar o seu consumo e o lucro para quem as produzem (?). Alguns poucos exemplos: carrões potentes (caminhonetas do tipo Veículo Utilitário Esportivo) que são grandes consumidores de combustível são indispensáveis (?); construir novas hidrelétricas substituindo florestas para atender demanda energética direcionada para aumentar conforto ambiental em casa e no trabalho (ar condicionado, inúmeros aparelhos elétricos...) ou específica para produzir certo produto hoje tido como prático-indispensável (como as latinhas de alumínio, feitas graças à energia gerada por uma usina, como a de Tucuruí) é mais importante do que reavaliar atitudes de uso e redimensionar o sistema energético (?); expandir cultivos, intensificar e comprometer uso de solo de boa qualidade para produzir biocombustíveis é tão (ou mais) importante do que garantir sua perpetuidade para produção de alimentos (?); queimar cultivos para facilitar e reduzir custos [foto acima, à direita] continuará prevalecendo por quanto tempo sobre a colheita natural e plantio direto (que preservam as propriedades naturais do solo) [foto acima, à esquerda] (?); condomínios privados/fechados, granjas, resorts, shopping centers, campos de golfe, serviços personalizados os mais diversos... vêm tomando espaço e recursos do convencional popular que contemplaria a maioria (o comércio de rua, as casas e vilas populares...) (?); as piscinas serão o refúgio inevitável dos que procuram lazer saudável e seguro em detrimento dos ambientes naturais (praias, lagos/lagoas e rios) (?) ...
Iríamos longe numa listagem desse tipo. Infelizmente nós demoramos muito em reavaliar nossos procedimentos diante da nossa rápida evolução em explorar recursos. Eis um exemplo desta nossa lenta evolução cultural, colhido no site do Ministério do Meio Ambiente neste final de janeiro de 2009:
“O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, informou nesta quarta-feira (21/jan/09) que o plano de Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar, a ser anunciado em fevereiro, virá acompanhado de uma novidade: uma lei nacional para a redução progressiva de queimadas de palha nos 7 milhões de hectares de lavouras... . O Brasil estará 100% livre de queimadas em 2020", disse Minc. "Esse é um ganho muito importante porque, na queimada, se elimina matéria orgânica, com perda de biomassa que geraria energia, se emite CO2 e se agride o pulmão dos trabalhadores." A decisão foi anunciada após reunião do ministro com o presidente Lula. Participaram do encontro também os ministros Reinhold Stephanes e Dilma Rousseff, entre outros.
Diante de tanta sabedoria, oriunda de tão eminentes “retardários” (ou seriam “retardados” mesmo???), concluo que esta é a nossa TRAGÉDIA DOS COMUNS. Alguns vão se aproveitando... enquanto Brás é tesoureiro... e quem vier depois que se arranje. De vez em quando é emocionante cutucar o diabo com a vara curta. Pelo menos somos ricos em chistes.

24 de jan. de 2009

... E HAJA SAQUE AOS NOSSOS RECURSOS NATURAIS (AGORA É A VEZ DA TORIANITA)







No final da década dos anos 90 (do século próximo passado) quando fui a Porto Velho (RO) ministrar aulas na disciplina Proteção do Meio Ambiente, no curso de pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho, tive a oportunidade de visitar um campo de mineração da cassiterita, donde se extrai o estanho. Ficava o campo de lavra desse minério a algumas dezenas de quilômetros de Porto Velho, sendo explorado por conhecida multinacional de origem canadense. Fiquei estarrecido ao presenciar a operação de destruição do solo e subsolo onde antes existia exuberante floresta, utilizando-se de fortes jatos de água. O conjunto solo/subsolo era submetido a peneiramento para extrair a cassiterita e a enorme quantidade de lama assim gerada era conduzida para a floresta remanescente. Ao perguntar aos responsáveis por esse procedimento sobre como seria feita a recomposição daquele local, antes com densa floresta e agora com enorme buraco, recebia como resposta: “Não é necessária a recomposição. Este local vai se transformar numa lagoa; com peixes”. Era muito difícil imaginar como seria isso possível e se possível, se isto compensaria o que foi perdido! E a floresta de terra-firme ao redor, que em toda sua existência jamais sentira a presença de lama, certamente sofreria conseqüências de degradação pela ação desse novo efeito invasor.
Lembrei-me do que disse o economista ecológico Clóvis Cavalcanti (in CAVALCANTI,C. org. 2002. Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4ª ed. São Paulo/Cortez Edit. e Recife/Fund.Joaquim Nabuco, pp21-40): “No passado, os recursos naturais no país foram tradicionalmente explorados à exaustão”. Ilustrou esse autor com o caso da explotação do manganês no Amapá: a jazida de 42 milhões de toneladas de manganês foi explorada de 1957 a meados da década dos anos 90, gerando 40 milhões de dólares à Bethlehem Steel Co. que nos pagava 1,4% de royalties. Após o esgotamento da reserva de manganês, dos 25 km2 de floresta destruídos, só metade foi recuperada e nenhum programa sócio-econômico foi proporcionado à população local. E concluiu o autor acima citado: “Claramente, uma estratégia de desenvolvimento não pode se basear em tal forma predatória de uso da Natureza...”. Mas a mesma história continua...
E depois do ouro e outros minérios... agora é a vez da torianita, um material radioativo que tem 75% de tório, 7,5% de urânio e 10% de óxido de chumbo em sua composição. O urânio pode ser usado como combustível atômico na conversão em plutônio nos reatores nucleares; e o tório é usado para fabricar diversos instrumentos, como lentes, lâmpadas, instrumentos científicos...e componentes de armas nucleares. O chumbo também é utilizado para fins nucleares.
A maior concentração das minas de torianita está na região central do Amapá, num triângulo formado pelos municípios de Porto Grande, Serra do Navio e Pedra Branca. Desde 2004 que jornais do norte do país (Diário do Amapá, Folha do Amapá...), do Correio Brasiliense e do site http://www.amazonia.org.br/ vêm denunciando o contrabando desse importante minério que tem sido apreendido pela Polícia Federal. E, como não poderia deixar de ser (conforme denunciado pela revista Isto É em 2006), há indícios de que o roubo desse patrimônio natural existe há uns 15 anos e que atualmente envolve senador, deputado federal, deputado estadual, procurador, prefeito, funcionário do setor responsável pelo controle da produção mineral... e assim por diante. Aliás, como é de praxe neste nosso país. Só em fevereiro de 2008 a PF tinha apreendido 1,1 tonelada (um copo de 250 ml contendo torianita pesa 2,5 kg e o quilo de torianita é vendido de U$200 a U$300; imaginem o “peso do lucro”). Seu peso/valor faz com que os saqueadores o chamem de “ouro negro”. Há suspeitas de que o contrabando saia pela Guiana Francesa, indo para a Europa e Ásia (provavelmente Coréia do Norte). Recentemente a PF recorreu à Justiça para obrigar a CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear a responsabilizar-se pela guarda do material apreendido (esse órgão diz não lhe caber tal atribuição).
Sou capaz de garantir que tais políticos, melhor dizendo, tais “asseclas da caterva de marginais dos poderes legislativo, executivo e judiciário” costumam utilizar nos seus discursos a expressão “desenvolvimento sustentável”, quando na verdade praticam o “anti-desenvolvimento insustentável”; e de quebra... vociferam o lema da moda: “sou brasileiro e não desisto nunca”.

10 de jan. de 2009

AQUECIMENTO GLOBAL: MERECE PREOCUPAÇÕES?

Toda vez que vem à tona este assunto, aproveito a oportunidade para relembrar fatos e evidências que nos conduzem a pensar no aforismo do dramaturgo alemão Bertolt Brecht: O VERDADEIRO PAPEL DA CIÊNCIA NÃO É O DE ABRIR PORTA PARA A SABEDORIA INFINITA, MAS SIM ESTABELECER LIMITE PARA O ERRO INFINITO. E isto nos estimula a meditar, questionar e discutir as observações científicas e os paradigmas da ciência, visando esclarecer nossa compreensão sobre a Natureza, sua estrutura e seus processos. Tudo em busca de boa qualidade de vida...ambiental!
No que diz respeito ao conhecimento humano sobre o aquecimento global, muitas têm sido as publicações que nos trazem informações sobre o que está acontecendo com o clima da Terra e as conseqüências para a biota (o conjunto de todos os seres vivos, terrestres e aquáticos). Farei breves comentários sobre algumas publicações e divulgações científicas em geral, sobre esse assunto. Começo com um climatologista brasileiro que considera ser esta estória de aquecimento global um instrumento político-econômico do “primeiro mundo” e que as mudanças climáticas decorrem muito mais de alterações geradas pelas águas do oceano Pacífico do que das atividades humanas. Falou ele também, em breve artigo publicado em Ciência Hoje, sobre os gases emanados dos vulcões difusivos, que eram mais importantes (para a camada de ozônio) do que os gerados pelas atividades dos seres humanos. Mas ele não comenta nada sobre a lixiviação dessas emanações vulcânicas pela ação das chuvas, que evita que tais gases cheguem à estratosfera e assim, venham a atuar sobre a ozonosfera e gerar aquecimento.
Em ecologia costumamos observar os indicadores ecológicos, que são reações naturais dos seres vivos às condições ambientais. Precisamos aprender mais a observar a Natureza. Muitos exemplos são mostrados na bibliografia concernente; cito apenas uma obra que merece ser lida: “BRAASCH, GARY (2007) Earth under fire. How global warming is changing the world Berkeley, University of California Press, 267p” [= A Terra em fogo. Como o aquecimento global está mudando o mundo]. Há neste livro ampla documentação fotográfica e dados mostrando fatos bioecológicos das mudanças.
Em minhas aulas abordando esse assunto, costumo dizer aos alunos que: “SE para nós é impossível evitar que a própria Natureza dê sua contribuição para o aumento da temperatura atmosférica mundial (aquecimento das águas do oceano Pacífico, gases dos vulcões difusivos e explosivos, metano emanado de pântanos, manguezais, "wetlands" ou brejos, emanações provenientes dos ruminantes e flatulência dos animais; devendo ainda considerar a crescente emanação de metano dos arrozais, principalmente da China e Índia que continuam com suas populações aumentando...)... MAS SE podemos reduzir a contribuição proveniente das atividades humanas, acredito que a posição mais sensata é procurar estabelecer limites a partir desta segunda alternativa, que está ao nosso alcance".
Eu acredito que os fatos bioecológicos comprovadores do aumento da temperatura atmosférica e do efeito maléfico do aumento da incidência dos raios UV (ultravioleta, que são naturalmente filtrados pela ozonosfera, situada a uns 15 km de altitude) sobre a biota no nosso planeta são muitos. Eis um brevíssimo "mostruário" (baseado em referências bibliográficas): (1) o mosquito da malária está se deslocando para regiões antes consideradas como de características de clima temperado; (2) o da dengue chegou na Argentina; (3) anfíbios, seus girinos principalmente, sensíveis à UV estão sofrendo processos de extinção; (4) há evidências experimentais de que propágulos de animais que vivem nos recifes de corais são sensíveis à UV (o branqueamento dos corais vem ocorrendo devido a esse aspecto e ao aumento de temperatura); (5) redução das geleiras do pólo Ártico; (6) derretimento de geleiras na Antártica; (7) plantas herbáceas "escalando" os Alpes em busca de locais mais frios; (8) estação da primavera se antecipando em 1,2 dias por década, em Wisconsin, EUA, a partir de registros feitos desde Aldo Leopold (nos anos 30 e 40) e continuados por sua filha, a botânica Nina Bradley (nos anos 80 e 90); (9) dentre 100 espécies de plantas com flores estudadas em Washington, EUA., 89 delas tiveram floração antecipada (uma delas floresceu 46 dias mais cedo); (10) a marmota-de-barriga-amarela (da família dos esquilos) do Colorado, EUA., está saindo da hibernação 38 dias mais cedo do que saía há 25 anos atrás (explicação: a temperatura média em abril é 1,4oC mais elevada do que no ano de 1976); (11) o "permafrost" está derretendo; (12) há formações de "desertos" nos oceanos, devido principalmente à formação de zonas com baixa oxigenação [veja postagens anteriores destes dois últimos assuntos, neste blog de ecologia]; etc. ... etc. ...
Explico que boa parte desses estudos tem sido efetuada nas regiões temperadas, onde são esperados os maiores efeitos do aquecimento global. Exemplo: em estudo que efetuei na Inglaterra, comparando solos daquele país com solos brasileiros observei que os microrganismos dos solos ingleses aumentam sua respiração a 35oC em valores bem mais elevados do que os microrganismos de nossos solos. Explico ainda que o fato de certos animais despertarem mais cedo de sua hibernação implica em conseqüências várias, como por exemplo saber se ao acontecer isso esse animal terá acesso fácil a alimento (este alimento também “sofre as conseqüências da antecipação e assim estará disponível?”).
Mas é preciso considerar que nessa mudança climática prevêem-se contradições: ver "Warming will bring more rain, study claims" [= Aquecimento trará mais chuva, estudo alega; reproduzido de New Scientist, 01/06/2007] (divulgado sob forma bilíngüe neste blog de ecologia). Alguns exemplos: algumas geleiras na Antártica estão aumentando, em decorrência da poluição; alguns cataclismos aumentam de intensidade e alguns de freqüência (furacões, como o Katrina); em resumo: se há chuva, é chuva forte; se há nevascas, são também "exageradas"; os fatores que atuam em termos climáticos são muitos; a maioria de difícil previsão. A revista americana Science (em 2005) divulgou que o número de furacões das Categorias 4 e 5 tem quase que duplicado nos últimos 35 anos (18 por ano, a partir de 1990). O fato de que as tempestades tropicais retiram energia da água oceânica para ganhar força, tem levado os cientistas a hipotetisar que o aquecimento global e as águas mais quentes a ele associadas poderiam levar a furacões mais fortes.
Confesso que sinto dificuldade em condenar aqueles que criticam o crescimento de China e India, pelas expectativas de se tornarem potências mundiais. Refiro-me às críticas feitas por americanos e europeus. Mas é assustador ver que dentre as 20 cidades mais poluídas do mundo, 16 delas estão na China. Assusta-me o fato de que a China detém uma das maiores reservas de carvão mineral (extremo poluidor) do mundo, juntamente com Índia, Rússia, Austrália e EUA (este último país detentor das maiores reservas); e que os chineses estão utilizando-o como fonte principal de energia. A reserva mundial é estimada em 1 trilhão de toneladas. Nos EUA 90% de óxidos de nitrogênio e enxofre, 37% de dióxido de carbono e 33% de mercúrio lançados na atmosfera provêm da queima do carvão mineral. Na Austrália, 80% da energia elétrica gerada provêm da queima do carvão mineral; é bem possível que seja por isso que naquele país haja maior emanação de CO2 per capita do que nos EUA. China é responsável pela metade do consumo mundial de cimento, que demanda bastante energia na sua fabricação. Muitos chineses estão trocando suas bicicletas por carros (caminho inverso ao caminho que muitos ocidentais estão pensando em começar a trilhar). Imagine se tudo isso for somado e nada for feito!!!
Muitos acreditam firmemente que a tecnologia resolverá tais possíveis impasses. Como exemplo, quando o ecólogo Paul R. Ehrlich perdeu a aposta feita com o economista Julian L. Simon: o primeiro “profetizou” que as reservas mundiais de minérios se esgotariam até final do século passado; enquanto o segundo afirmava que a ciência e a tecnologia trariam soluções e isso não aconteceria; como de fato não aconteceu. Seus respectivos pontos de vista foram apresentados na ótima obra de “MILLER Jr., G.T. (1996) Living in the environment. Principles, connections, and solutions. 9th ed. Belmont, Wadsworth Publishing, 727p.”. Alguns citam o biodiesel e combustíveis similares, como solução (este é outro importante “capítulo” para discussão posterior). É bom lembrar o que disse o ecólogo norte-americano Amory Lovins, especialista em questões de energia: “Tecnologia é a resposta. Mas... qual é mesmo a pergunta???”
Forte abraço aos leitores e FELIZ 2009... RESPIRÁVEL!!!
Breno Grisi

6 de jan. de 2009

POLÍTICAS PÚBLICAS: A TEORIA, NA PRÁTICA É...UM SONHO

Há alguns meses lecionei a disciplina POLÍTICA AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL num curso de especialização em Direito Administrativo e Gestão Pública, no Centro Universitário UNIPÊ, em João Pessoa. A maioria da “clientela” era formada em Direito. Lembro-me que na preleção falei “que a LEI não era por si só suficiente, nem eficiente para solucionar nossos maiores problemas”, justificando (ou meramente explicando) que no Brasil havia mais de 175 mil leis federais e que a nossa legislação ambiental, por exemplo, é considerada a mais avançada do mundo! No entanto, estamos entre os maiores do mundo em destruição, poluição e descaso com o nosso patrimônio natural (também um dos maiores do mundo), em total desrespeito à lei, estando os infratores impunes às penalizações nela previstas. Isto sem falar na nossa irresponsabilidade quanto às gerações futuras!
Na pausa para o cafezinho uma aluna, bacharela em Direito, aproximou-se de mim e disse que “a turma tinha ficado chocada” diante do meu ceticismo ou descrédito com relação à LEI. Como venho trabalhando com questões ambientais há dezenas de anos, aqui no Brasil em Universidades e Instituições de pesquisa (e também alguns anos na Inglaterra), procurei mostrar aos decepcionados pupilos que o tempo e os fatos convenceram-me de que nossa sociedade carecia muito mais de uma mudança profunda na sua estrutura e que o temor à lei, nem a coerção, jamais surtiriam os efeitos que realmente necessitamos.
E eis que chega ao meu conhecimento um ensaio de J.R. Guzzo (publicado na revista Veja de 07/jan/2009) sob o título “Ideias mortas”. Transcrevo aqui alguns trechos desse ensaio, contendo afirmações que “bem que gostaria que fossem minhas”:

Os países desenvolvidos do mundo podem estar na frente do Brasil em muita coisa, mas perdem de longe em pelo menos uma: nossa capacidade de criar “políticas públicas”. Faltam ao Brasil redes de esgoto, água tratada, coleta de lixo, transporte público, portos, ferrovias e estradas asfaltadas. Faltam aparelhos de raios X em hospitais, sistemas para conter enchentes e escolas capazes de ensinar a prova dos noves. Não temos confiança em políticos, juízes e autoridades em geral. Não temos um serviço público capaz de prestar serviços ao público. Mas se há alguma coisa que temos de sobra, em praticamente qualquer área da atividade humana, são “políticas públicas”, quase sempre descritas como as “mais avançadas do mundo”; é difícil entender, francamente, por que os demais 190 países que repartem a Terra conosco ainda não copiaram todas elas.
Ninguém ignora que o Brasil conta com o que há de mais moderno no planeta em matéria de proteção ao menor abandonado, direitos humanos (nossos assassinos, por exemplo, têm o direito de cumprir apenas um sexto das penas a que forem condenados), defesa do meio ambiente e legislação de trânsito. ... Não há quem nos supere em leis de proteção ao trabalhador, ao deficiente físico e aos direitos do consumidor ─ e por aí afora, numa lista que não acaba mais. É verdade que...os menores começam a matar gente cada vez mais cedo e que o trânsito nas grandes cidades é uma piada. Mas aí também já seria querer demais ─ não se pode exigir que este país, depois de toda a trabalheira que teve para montar políticas tão admiráveis, seja também obrigado a mostrar que elas produzem resultados práticos.
O ano de 2008 se encerrou com mais dois grandes momentos na história da criação de “políticas públicas” para o Brasil. O primeiro...é a Estratégia Nacional de Defesa...a idéia de melhorar as Forças Armadas...a transformação do Brasil em potência militar...e até um submarino nuclear, no qual a Marinha trabalha desde 1979 e que ficará pronto...no remoto ano de 1924. ... O segundo grande momento foi a finalização do Plano Nacional de Cultura, que, segundo o governo, vai desenvolver as “políticas culturais” do Brasil nos próximos dez anos... Mas, segundo o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, o plano se baseia em “300 diretrizes”... Não existe neste mundo projeto algum que precise de 300 diretrizes para funcionar e, caso existisse, não haveria governo capaz de aplicá-las. Não o brasileiro, com certeza. ...
Eu acredito que não tenha cometido nenhum exagero com o que afirmei em sala de aula. Não foi à toa que o senador e historiador romano Tacitus (entre os anos 56 e 117 d.C) disse: “Corruptissima republica, plurimae leges” (Quanto mais corrupta é a nação, mais leis ela tem).
A todos, FELIZ 2009,
Breno Grisi
(Prof. de Ecologia)