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12 de mar. de 2009

A SUSTENTABILIDADE EM CAPÍTULOS: III – BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS SERVIÇOS AMBIENTAIS MARINHOS



Durante séculos o mar foi objeto de desafios para o ser humano. De caminhos para as descobertas de novas terras, no desejo humano de expandir seus domínios, passando por palco de batalhas, sustento de civilizações, chegando até a servir como o maior receptor de produtos e subprodutos gerados e rejeitados pela humanidade, em toda sua existência na Terra ao longo de seus 10.000 anos de processo civilizatório. Proporcionalmente à imensidão de suas dimensões seriam os assuntos ou temas para estudos e discussões que os oceanos geram. Vejamos uma “micro-amostra” de tais assuntos.
O capital natural dos oceanos. O petróleo. Refere-se este capital aos recursos de que dispõem os oceanos e que vêm sendo utilizados pelo homem. O petróleo, por exemplo, é um desses recursos, resultante de 100 – 500 milhões de anos, em que vegetais e animais após morrerem se degradaram em grandes profundidades, tanto na terra como nos sedimentos dos oceanos. O petróleo depois de extraído e refinado torna-se um capital produzido pelo homem.
Após beneficiar-se desse gigantesco capital natural pergunta-se: que retorno o ser humano propicia à Natureza como “pagamento por tal serviço”? [veja “Serviços Ambientais” numa das postagens anteriores neste blog]. Não tenho conhecimento da existência de alguma ação positiva nesse sentido! Até os vazamentos e derrames de petróleo no mar são tratados com pouca eficiência. Problemas ambientais causados pela Petrobrás no Rio de Janeiro e no Paraná nos fazem crer que mesmo as grandes empresas, com grandes lucros financeiros, não se interessam em investir na preservação de possíveis "acidentes" e parecem preferir correr riscos em causar danos à Natureza. No site http://www.veja.com/ foi anunciado em 11/11/2008 que a Petrobrás teve, nesse ano, um lucro líquido de R$26,56 bilhões. A complacência das autoridades aliada ao descaso da sociedade, que logo esquece o que ocorreu, deixa-nos simplesmente à espera da próxima tragédia.
Potencial pesqueiro. O crescimento populacional humano, ajudado pelo desenvolvimento da tecnologia aplicada à pesca, vem aumentando o consumo de peixes, ostras, mamíferos aquáticos e outros organismos consumíveis, de maneira assustadora. Estima-se que certa espécie de peixe que venha a tornar-se alvo principal da indústria pesqueira, sofrerá baixas em seu estoque em cerca de 80% dentro de 10 a 15 anos. Pesquisadores estimam que o “fishprint” (ou pegada ecológica do peixe, poderíamos assim traduzir), que se define como a área do oceano necessária ao consumo de pescado por uma pessoa ou nação ou o mundo, vem atingindo o percentual insustentável de 157%, devido à explotação conjunta das nações.
O que o avanço tecnológico vem causando aos estoques? Eis um modelo simples do comportamento da relação PREDADOR ─ PRESA (ver figura acima). O predador é o homem; e a presa é o peixe. No quadrante superior esquerdo observa-se que ambos estão em equilíbrio (sinal positivo); segue-se a esta situação o que está representado no quadrante superior direito, em que a presa, sendo capturada em grande quantidade pelo predador, tem seu estoque reduzido; e assim o predador continua positivo tornando-se a presa negativa. Seria natural, nesta circunstância desse quadrante, que o homem se retirasse do local (seria o quadrante inferior direito, em que predador e presa têm sinal negativo). Mas a tecnologia oferece ao homem recursos tecnológicos avançados (radar, sonar, avião localizador de cardumes... e eficiente equipamento de captura) sendo ele assim capaz de localizar e capturar cardumes escondidos nas profundezas do mar ou atrás de rochas submersas etc. Na Natureza, o predador ao se retirar, propicia a recuperação da presa (quadrante inferior esquerdo). E assim a situação voltaria ao ponto inicial (quadrante superior esquerdo). Mas com o uso da tecnologia atual a presa corre risco de extinção.
Os equipamentos atuais de pesca, como a gigantesca rede de arrasto (com dimensão suficiente para “engolir 12 jatos jumbo”), variados tipos de “gaiolas” destinadas à aqüicultura em águas rasas e profundas, são alguns dos artifícios modernos que vêm contribuindo em larga escala para a redução dos estoques de peixes.
Japão e Noruega desafiam a Comissão Baleeira Internacional quando capturam anualmente (cada um desses países) 1000 baleias mink, alegando propósitos científicos. Islândia e Rússia também reivindicam tal procedimento, explicando tratar-se de nações que têm tradição cultural e econômica em utilizar esses cetáceos. No Japão, no famoso restaurante Kujiraya, em Tóquio, que serve entre 200 e 300 refeições com carne de baleia, um prato desta iguaria custa em média 1300 ienes (ou U$10.30). A 54ª. Reunião da CBI, a realizar-se em maio/2009, “no próprio Japão”, receberá mais pressões desse país para liberar a caça à baleia.
A estatística mostra que “para cada pessoa morta por tubarão, 1 milhão desses animais são mortos por pessoas”. A barbatana desse animal, usada em países asiáticos para preparar sopa e remédio para um “sem-número” de doenças, alcança no mercado o preço médio de U$10 mil (dólares americanos) (já foram detectados níveis tóxicos de mercúrio em barbatanas de tubarão). Há mais de 400 milhões de anos que esse animal existe. A redução do estoque de tubarões vem causando aumento na população de raias (arraias), das quais eles se alimentam.

10 de mar. de 2009

A SUSTENTABILIDADE EM CAPÍTULOS: II – ECOSSISTEMAS MARINHOS: POUCO ESTUDADOS E MAL COMPREENDIDOS











Mar aberto, fundo do oceano e zona costeira, constituem-se nas três grandes zonas de ¾ da superfície do nosso planeta. Estima-se que gerem produtos e serviços superiores a U$12 trilhões (dólares americanos) por ano. Uma cifra aproximadamente igual ao PIB dos Estados Unidos. E sobre a maioria dos ecossistemas que fazem parte do sistema marinho, continuamos tendo uma visão limitada, se não bastante distorcida. Tais ecossistemas são reservatórios de imensurável biodiversidade; e conhecê-los com profundidade requereria recursos humanos e tecnológicos de que ainda estamos longe de dispor.
A elevada produtividade da zona costeira. Do ponto em que as altas marés atingem nas costas dos continentes e ilhas até o declive suave da plataforma continental marinha, situa-se a zona costeira; que embora seja apenas 10% da área oceânica mundial contém 90% de todas as espécies marinhas, sendo o centro da produção pesqueira comercial. Seus principais ecossistemas são: estuários, com “salt marshes” (brejos salinos) nas regiões temperadas e manguezais nos trópicos; recifes de corais; e lagunas costeiras e brejos flúvio-marinhos. A maioria é detentora de alta produtividade primária líquida. Vejamos alguns destaques desses ecossistemas.
Os estuários. Nos locais onde os rios despejam suas águas no mar, formam-se os estuários. Caracterizam-se os estuários por grande diversidade de habitats, concentrando altos valores de entrada de nutrientes (viabilizada pela convergência de fluxos de águas fluviais, correntes marinhas, lixiviação de solos circunvizinhos os mais diversos), ventos, precipitação pluvial abundante, além de intensa radiação solar penetrando facilmente nas suas águas rasas... todos esses fatores possibilitando elevada riqueza de biodiversidade. Tais ambientes propiciam condições favoráveis à reprodução de várias espécies que vivem sua fase adulta no mar. As figuras acima ilustram sua grande complexidade, em termos de habitats e biodiversidade [esquemas reproduzidos de divulgação do Instituto de Biociências da USP].
Dezenas de espécies de algas marinhas, rica concentração de espécies do fitoplâncton (algas microscópicas) e do zooplâncton (animais microscópicos) formam a base da cadeia alimentar e variados tipos de teia alimentar que tornam os estuários um ecossistema de elevada produtividade ecológica. Um exemplo: nos manguezais do rio Paraíba, principalmente no município de Várzea Nova (na “grande João Pessoa”), a produção de carne de caranguejo alcança cerca de 600 kg por hectare por ano.
Além da produção de alimentos, os manguezais nos estuários provêem importantes serviços ambientais (ecológicos e econômicos). Filtram os poluentes provenientes da lixiviação ocorrida nas margens dos rios (agrotóxicos, fertilizantes) e resíduos de despejos industriais e de águas residuárias em geral. Atuam também como zonas de amortecimento de impactos causados por enxurradas, vendavais, furacões, picos de marés muito elevadas...; e têm também, historicamente, servido como fornecedores de lenha para vários usos.
Estimativa da FAO (“Food and Agricultural Organization”), da ONU, revela que de 1980 a 2005 nosso planeta perdeu pelo menos 1/5 dos manguezais, principalmente pelas ações antrópicas.
Um estudo de caso de degradação de estuários: Chesapeake Bay, nos E.U.A. Vimos no capítulo anterior (da série “A Sustentabilidade em Capítulos”, neste blog) que o quarto princípio científico da sustentabilidade é o CONTROLE POPULACIONAL. A população humana vivendo nas proximidades dessa baía (formada a sudoeste de Washington, D.C., na costa atlântica entre os estados de Delaware e Maryland) foi dado em 1940 como sendo de 3,7 milhões de pessoas; e em 2007 atingiu 16,6 milhões. O estuário recebe água residuária de uma bacia de drenagem composta por 9 rios e 141 riachos e córregos provenientes de seis Estados americanos. São comuns ali ocorrências de “algal bloom” (explosões, de crescimento, de populações de algas) devido às altas concentrações de fosfato e nitrato nas suas águas poluídas. A produção de ostras, caranguejos e peixes caiu muito desde os anos de 1960. As ostras são eficientes filtradores, retendo o excesso desses compostos responsáveis pela dita explosão de algas. Portanto, a pressão antrópica sobre a Baía de Chesapeake é certamente o principal causador de sua degradação.
Projeção catastrófica. Em 2006 viviam nas áreas costeiras 45% da população humana mundial; em 2040 há expectativa de que tal população seja de 80%.

7 de mar. de 2009

A SUSTENTABILIDADE EM CAPÍTULOS: I - OS 4 PRINCÍPIOS CIENTÍFICOS DA SUSTENTABILIDADE










1. Produção (vegetal e animal) a partir da energia solar e dos elementos químicos (terrestres e aquáticos).
2. Biodiversidade (ou diversidade biológica).
3. Biogeociclagem.
4. Controle populacional.
Nossa condição atual de vida na Terra resulta de cerca de 3,5 bilhões de anos de existência evolutiva. Percorremos um longo caminho até o período atual em que o homem vem começando a compreender sua função (ou nicho ecológico) na Natureza.
Os 4 princípios científicos da sustentabilidade acima enumerados, constituem-se no que hoje entendemos como a base dos três tipos de desenvolvimento sustentável: o ecológico, seguido do desenvolvimento econômico, que potencializa o desenvolvimento sustentável social. Exatamente nesta ordem.
Nessa listagem acima, observamos que o ponto inicial é um recurso natural tido como abundante e inesgotável: a energia solar, que adicionada dos elementos químicos existentes nos solos e nas águas, potencializam a produção. O item seguinte, a biodiversidade, é um potencial cuja existência (e disponibilidade de uso pelo ser humano) depende não somente das condições naturais (geoclimáticas) mas também, e fortemente, das ações antrópicas (causadas pelo homem). A biogeociclagem é um processo regulador natural, que vem sofrendo influências antrópicas crescentes.
O crescimento populacional humano vem contribuindo para um aumento exponencial do papel do homem na vida na Terra. Por sua vez, o crescimento econômico passou a ser o fator-chave do desenvolvimento. De acordo com o documento da ONU (2005) “Millenium Ecosystem Assessment” ou seja, uma Avaliação de Ecossistemas do Milênio, feito por 1300 especialistas de 95 países, as atividades humanas já degradaram ou super-utilizaram cerca de 62% dos serviços naturais da Terra [ver Serviços Ambientais numa das postagens anteriores deste blog]. A pressão atual sobre nosso planeta compromete a sustentabilidade das gerações futuras, que correm o risco de não conseguirem ter “nem o mínimo” para seu sustento. Ou seja, o capital natural (recursos naturais e serviços ambientais) comprometem ou melhor, fragilizam a biodiversidade e a disponibilidade dos nutrientes necessários à produção, providos pela biogeociclagem.
Desde os anos de 1900 o crescimento econômico mundial aumentou em cerca de 40 vezes até a época atual. No entanto, convivemos com os seguintes dados alarmantes e deprimentes: a) mais da metade das pessoas no mundo vive em extrema pobreza, tentando sobreviver com uma renda diária inferior a U$2 (dólares americanos); b) e um sexto das pessoas luta desesperadamente para sobreviver com uma renda diária inferior a U$1.
Com relação ao controle populacional, vejamos alguns fatos preocupantes: 1) dos 6,7 bilhões de seres humanos do planeta, 1,2 bilhões vivem nos países desenvolvidos (E.U.A., Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia e a maioria dos países europeus); 2) 5,5 bilhões estão nos países em desenvolvimento (principalmente na China, Índia, Brasil, Turquia, Tailândia, México; e nos demais países da África, Ásia e América Latina).
A figura acima mostra uma visão geral desses dois grandes grupos de países, segundo a ONU e o Banco Mundial (reproduzido de "MILLER & SPOOLMAN (2009) Living in the Environment. Belmont, Brooks Cole, 563p. + Apêndices"). Os dados são em porcentagem.
Já faz bastante tempo que saímos da fase de “dominar a Natureza” para sobreviver; passamos pela fase de aumento do poder econômico “destruindo a Natureza”; e agora estamos entrando na fase de reconhecimento do que fizemos e do que precisamos fazer para "reconstruir a Natureza". Antes que seja tarde.

2 de mar. de 2009

REPRESAS E TERREMOTOS: NÃO PODEMOS ESQUECER OS 70 MIL CHINESES MORTOS
























[Baseado em artigo publicado em Newscientist, 31 de janeiro/2009 e assinado por A. C. Grayling, filósofo de Birkbeck, University of London]

Em 12 de maio de 2008 ocorreu um terremoto de 7,9 na escala Richter na província de Sichuan, na China. Cerca de 70 mil pessoas morreram; 5 milhões de desabrigados, rios bloqueados e o risco de que 300 represas se rompessem, foram contabilizados nesse evento de grandes proporções e maiores preocupações. Se alguma grande represa tivesse se rompido o desastre teria uma dimensão catastrófica difícil de ser imaginada.
O terremoto foi sentido em locais distantes, como Índia, Taiwan e Mongólia. A causa residiu na falha existente entre o alto platô do Tibete e a crosta por baixo da bacia de Sichuan e o sudeste da China. A sismologia nos ensina que terremoto ocorre quando estresse tectônico acumulado ao longo de falhas atinge um ponto crítico e de repente há uma liberação de tensão, ocorrendo então o terremoto. Há sempre especulações a respeito do que precipita o processo em si. É óbvio que uma causa natural sempre seja apontada como responsável; mas... e se a verdadeira causa for ação ou ações antrópicas?!
Seismólogos têm sugerido recentemente que uma nova represa de Sichuan, a Zipingku, localizada no rio Min perto de Dujiangyan e concluída em 2006, possa ter sido responsável por ação desse tipo. A imensa carga de água retida no reservatório da represa pode ter sido o estopim da liberação catastrófica do estresse existente sobre a “falha de Longmenshan”. Os seismólogos sustentam que advertiram sobre os riscos de terremotos nesse local.
Sichuan é uma região com muitas represas, tendo a maioria sido construída nas décadas recentes. A maior delas já é mundialmente conhecida: a represa das Três Gargantas, no rio Yangtze. É a maior represa do mundo, distando 550 km a leste do epicentro do terremoto de Sichuan. A ocorrência desse terremoto apressou os engenheiros a verificarem a segurança das Três Gargantas. O inverso, ou seja, checar as possibilidades de terremotos ou outras implicações ambientais na região, antes que ocorram, já não é objeto de urgência por parte de engenheiros envolvidos num alucinante processo de busca por crescimento econômico; como aliás deveriam ter feito para a represa de Zipingku antes de ser construída.
Algumas características da represa das Três Gargantas. A parede de concreto tem cerca de 2309 m de comprimento, 101 m de altura, medindo 115 m de espessura na base e 40 m no topo. Foram utilizados 27.200.000 m3 de concreto, 463.000 toneladas de aço (suficientes para construir 63 torres Eiffel); e foram mobilizados 102.600.000 m3 de terra durante a construção. Quando o nível de água atingir o máximo, estará a 91 m acima do nível do rio, tendo o represamento um comprimento total de 660 km e uma largura média de 1,12 km contendo um volume total de água de 39,3 km3. O reservatório cobrirá uma área total de 1045 km2. Quando essa área é comparada à do reservatório de Itaipu (1350 km2) percebe-se que há maior concentração de volume de água nas Três Gargantas.
Numa das fotos acima vê-se a câmara elevatória de navios, capaz de elevar 12.800 toneladas a uma altura de 113 m.
O terremoto de Sichuan teve conotações especialmente trágicas pelo fato de que muitas mortes ocorreram entre crianças nas escolas, onde os tetos desabaram sobre elas. Esta é uma combinação “perversa”: a correria para construir represas e escolas de estruturas precárias; ou seja, resultado de falta de cuidado, valores distorcidos e insensatez.
Surge assim com esse exemplo do mundo oriental em transformação, um questionamento muito sério a respeito de ciência e tecnologia. Além disso, essa gigantesca represa constitui-se num “grande reservatório de controvérsias” (política, econômica, ambiental, social; assunto extenso demais, que demandaria um próximo capítulo).