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10 de set. de 2016

SE AS QUEIMADAS NA AMAZÔNIA MOSTRAM QUE OS RISCOS DE SUA DESTRUIÇÃO SÃO UMA POSSIBILIDADE...É BOM ACREDITAR

No Mato Grosso, cientistas projetam o fim da Amazônia pelas queimadas

No Projeto Tanguro, que acontece em uma fazenda, os pesquisadores do Ipam monitoram as antas, animal que pode ajudar na regeneração da floresta. 



Do alto de uma torre de 36 metros o que se vê são árvores mortas espalhadas pelo chão. Os rastros do fogo ainda são visíveis em alguns troncos. No ambiente sem animais, não há mais vida.

Essa é a imagem de uma área da Fazenda Tanguro, no município de Querência, no noroeste do Mato Grosso, que sofreu uma queimada com o propósito científico para entender quais são os reais impactos ambientais causados pelo fogo numa região de transição do Cerrado com a Floresta Amazônica.

O experimento, autorizado pelo órgão ambiental estadual, é desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) da fazenda, que pertence ao Grupo Amaggi, da família do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-MT).

Chamado de Projeto Tanguro, o objetivo do experimento com as queimadas, segundo o Ipam, é buscar maneiras de reduzir os impactos da agricultura na Amazônia e avaliar as consequências do fogo na principal fronteira agrícola do país, onde a monocultura da soja avança sobre a floresta.

De acordo com o Monitoramento de Queimadas e Incêndios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mato Grosso lidera, em 2016, o ranking dos estados com mais índices de focos de calor. De janeiro a agosto foram 16,5 mil registros pelos satélites. Em seguida estão os estados Pará (com 8.969 focos), Tocantins (com 8.844), Maranhão (7.712), Amazonas (com 6.114) e Rondônia (5.175).

O triângulo do fogo

A agência Amazônia Real acompanhou por uma semana os trabalhos dos cientistas do Projeto Tanguro. A fazenda tem ao todo 83 mil hectares. Na parcela de floresta destruída pelas queimadas, uma área de 1.600 metros quadrados da reserva legal (com 50 mil hectares), os pesquisadores também analisam os efeitos da destruição de áreas naturais sobre a bacia hidrográfica, e como a fauna local pode contribuir para a regeneração do ambiente.

As pesquisas são desenvolvidas desde 2004, quando se iniciou o Projeto Tanguro e a primeira queimada. Elas ocorrem divididas em escala anual e outras a cada três anos. A partir daí são observadas a reação do ecossistema nestes intervalos de tempo distintos. A última delas foi em 2010. Passados seis anos, é possível ver a destruição que o fogo causa à floresta e sua dificuldade em se recuperar.

A queima acompanhada pela reportagem aconteceu a 10 km de distância da área já impactada. Com a presença de pesquisadores, estudantes e jornalistas, as equipes foram divididas entre as parcelas estudadas. O primeiro trabalho é delimitar a área. Com uso de tremas e marcadores, é delimitado o tamanho.

Em seguida, é feito o cálculo do “combustível” presente na floresta. As folhas e outros tipos de vegetação seca formam o combustível necessário para as labaredas se espalharem. Em sacos de papel são colocadas as folhas para se calcular a presença de umidade –cálculo este feito em laboratório.

A vegetação sem umidade também é chamada de “fonte de ignição”, a partida para o início do fogo. A geógrafa Ane Alencar é pesquisadora do Ipam e coordena a área de Geotecnologia e Monitoramento do instituto. Ela estuda as queimadas na Amazônia. Segundo ela, para os incêndios ocorreram é necessária a junção de três fatores, denominados de “triângulo do fogo”: combustível, condições ambientais e material de ignição.

“Estamos acumulando mais fonte de ignição. Tanto a floresta aberta quanto a de transição estão sofrendo com o fogo, mesmo em áreas mais úmidas”, diz Ane Alencar. Nesta área de transição com o Cerrado a floresta tem o nome de estacional. As árvores apresentam copas menos robustas e alturas mais baixas se comparadas às da Amazônia em sua porção densa, mais ao norte.

O avanço do agronegócio

A Amazônia em Mato Grosso vem sendo historicamente agredida pelo agronegócio. Após a chegada da pecuária no início da década de 1970 que resultou na abertura de milhares de hectares de pastagem, os bois vêm sendo substituído pelo plantio de grãos, commodity que se tornou atrativa ante seu alto valor e demanda no mercado internacional.

O resultado foram mais áreas de floresta derrubadas e queimadas nos últimos 20 anos. Este avanço ganhou repercussão internacional e fez governos e organismos internacionais pressionarem o Brasil para conter o desmatamento. Uma das primeiras imposições foi deixar de comprar carne e grão de fazendas que tivessem contribuído para o aumento do desmatamento na Amazônia.

Entre os líderes deste desmatamento estava o próprio empresário Blairo Maggi, que chegou a ganhar a “motosserra de ouro” concedida pela organização ambientalista internacional Greenpeace. Ante a imagem negativa, os negócios da família Maggi precisaram passar por reformulações e o termo sustentabilidade foi incorporado a suas práticas.

Por meio dos estudos e análises, os pesquisadores do Ipam mostram que manter a floresta viva pode ser muito mais rentável para a atividade de produção de grãos.

“As áreas de planto acumulam muito mais água no solo, pois sem as árvores não há como ocorrer a transpiração. Sem elas existe uma contribuição para o aumento de temperatura e a redução de umidade que provoca a chuva. Houve um aumento de 17 dias da estação seca nos últimos anos”, diz o ecólogo Paulo Brando, coordenador de pesquisas do Ipam.

Sem floresta, sem chuvas

Segundo Paulo Brando, 37% da região amazônica vem apresentando chuvas abaixo da média, o que contribui não somente para a queda da produção agrícola como para o aumento de incêndios. No primeiro semestre deste ano Querência decretou situação de emergência por conta da estiagem.

Outro pesquisador do Ipam, Divino Silvério diz que sem floresta, mais energia solar é refletida para a atmosfera. Os estudos apontam que, enquanto apenas 10% da energia dos raios do Sol que chegam à floresta voltam para a atmosfera, nos campos de soja esse índice é de 22%. “A floresta funciona como um grande ar-condicionado. Constatamos que a diferença de temperatura entre a floresta e o campo de soja chega a ser de cinco graus”, afirma.

Os 90% de energia solar que fica na floresta é convertido em calor latente, responsável pelo processo de evapotranspiração das árvores que formarão a umidade para a chuva, completa Paulo Brando. “Num primeiro momento pode-se falar que o campo de soja contribui para o esfriamento do globo pois há mais energia refletida, mas a formação de nuvens é maior na área sobre a floresta, e com mais nuvens se tem uma reflexão maior [dos raios solares]”, diz o pesquisador.

Em outra ponta de estudo, Márcia Macedo avalia o impacto das atividades rurais na água da região. A fazenda está cercada por dois rios: Tanguro e Darros. Os dois mais os córregos que cruzam a propriedade fazem parte da Bacia Hidrográfica do Alto Xingu. Por meio da coleta de amostras de água em córregos dentro de duas APPs (Área de Proteção Permanente) da fazenda, ela avalia a presença de nutrientes e a vazão dos córregos.

“A vazão na área degradada é três vezes maior do que na não degradada. Ainda não detectamos a presença de fertilizante, como o nitrato, na água. Por enquanto o solo tem absolvido todos os fertilizantes e não tem afetado a água”, afirma Márcia Macedo.

Antes da lavoura ser a atividade predominante na região, o gado se espalhava por toda a fazenda. Em seu auge, a Tanguro chegou a ter 30 mil cabeças de boi até 2007. Para matar a sede desta população bovina, represas foram construídas, desviando o curso natural de muitos mananciais. Estima-se em mais de 10 mil a quantidade de represas na Bacia do Xingu. Márcia Macedo faz comparações entre a água destes reservatórios e a presente dentro das de floresta preservada.

A presença ou ausência da floresta, a água do solo e dos mananciais são os fatores essenciais para a formação de chuvas.

Cemitério de árvores

Amazônia Real visitou as áreas que passaram nos últimos anos pelo experimento do fogo. A mais recente ocorreu em 2010. Mesmo passados seis anos, é possível perceber os impactos agressivos que o fogo causa à floresta. Árvores mortas espalham-se pelo chão. Em algumas ainda é possível ver a marca o rastro do fogo. Onde antes havia uma floresta viva, agora uma vegetação rasteira se desenvolve. Do alto de uma torre de observação de 36 metros a impressão que se tem é de uma regeneração rápida em meio à mata preservada.

Mas a um olhar mais atento é possível ver as clareiras. Ao se andar por entre as parcelas incendiadas os danos ficam muito bem perceptíveis.

“Mesmo aquelas árvores que sobreviveram ao fogo depois tiveram algum tipo de impacto, sobretudo com o vento. Como não há mais floresta, o vento forte acaba atingindo com mais intensidade aquelas que estão em pé. Com isso, elas ficam propícias a cair já que suas estruturas ficaram comprometidas”, diz o pesquisador Divino Silvério.

Exemplo disso aconteceu em uma tempestade recente que atingiu a Fazenda Tanguro. “A queda de árvores nas áreas degradadas pelo fogo chegou a 18%, enquanto na de floresta nativa foi de 9%”, afirma Silvério. Os pesquisadores não sabem afirmar com precisão quantos anos –ou séculos – serão necessários para aquela parcela queimada voltar a ser como era. De acordo com eles, isso dependerá de vários fatores. “Este é um processo não linear”, resume Divino Silvério.

No rastro da anta

E em meio a esta enxurrada de probabilidades que influencia a regeneração há um animal silvestre que está na lista das espécies da fauna ameaçada de extinção: a anta (Tapirus terrestris). Maior mamífero terrestre da América do Sul, ela se espalha pelos diferentes biomas brasileiros, com predominância na Amazônia e no Pantanal. No Projeto Tanguro, as antas estão com a sobrevivência protegida.

Os estudos sobre a contribuição da anta no processo de recuperação de áreas degradadas são liderados pelo biólogo Rogério Libério, também do Ipam. Sua missão não é nada nobre: catar fezes de anta feitas nas parcelas para saber quais tipos de sementes ela espalha pelo solo. Por ser herbívoro, o mamífero come uma grande quantidade de frutas e folhas cujas sementes depois são descartadas por meio das fezes.

“A anta já é conhecida por seu potencial de ser um dispersor de sementes. 50% de sua dieta é baseada em frutas, mas além disso ele possui uma grande área de vida. Para entender se a anta tem um papel na dispersão e na regeneração de áreas degradadas temos que provar que eles as utilizam como área de vida. É preciso que elas estejam lá”, explica Rogério Libério. Amazônia Real participou de uma das etapas de localização e coleta das fezes. Antes de enviar o material para análise em laboratório, é preciso fazer um trabalho (sujo) de peneira para separar as sementes.

As antas fazem suas necessidades em espaços próximos um dos outros que são chamados de latrinas. “Acreditamos que essa é uma forma de marcar território. Observamos que após defecar elas urinam e movem as patas traseiras”, afirma o cientista do Ipam.

A forma encontrada de monitorar as antas foi por meio de câmeras instaladas na floresta. Além de captar a imagem delas, as câmeras flagram toda a manifestação de vida animal nesta região de transição entre dois importantes biomas do país, e que há tempos são impactados pelo avanço do agronegócio.


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