“Os maiores problemas no mundo são o resultado da diferença entre a maneira como a Natureza trabalha e a maneira como o homem pensa” (Gregory Bateson).
Seria “um sonho” se realmente todos nós entendêssemos com profundidade e agíssemos com responsabilidade em cumprimento ao que foi dito acima, por esse destacado pensador anglo-americano. No caso específico da proposta de modificação do nosso Código Florestal, em andamento no Congresso Nacional, destaco a seguinte característica da Natureza: a importância da largura da vegetação marginal dos rios (ou mata ciliar, ou ainda vegetação ribeirinha ou ripária). Sua largura está intimamente relacionada ao que a ciência ambiental conhece hoje sobre a necessidade de se observar o “tamanho mínimo” de um fragmento florestal ou de vegetação natural qualquer. Sabe-se que qualquer fragmento sempre sofre nas bordas influências dos fatores externos, como temperatura e luminosidade mais elevadas, maiores rajadas de ventos e menor umidade tanto do ar como do solo. Isso é denominado pelos ecólogos como efeito de borda, cujos estudos revelaram principalmente que: “há evidências experimentais de que os efeitos de borda estendem-se até cerca de 100m no interior da reserva, a partir da borda”. Portanto, faixas de vegetação ao longo de rios e que tenham menos de 100m de largura, sofrem grandes efeitos externos. Se hoje a legislação vigente, no Código Florestal Brasileiro, determina uma largura mínima de 30m de vegetação para um rio com largura de 10m, vamos imaginar o que adviria como consequência se essa vegetação ripária fosse reduzida mais ainda?! E agora, nessa reforma em andamento, propõe-se que em pequenos rios e riachos onde hoje a legislação determina a manutenção de 15m de largura... que seja reduzida para 5m!!!
Como ilustração dos efeitos externos sobre uma determinada área de reserva ou de proteção aos recursos naturais, vejamos quão relevante é a forma dessa reserva (sendo ela: quadrada ou retangular). Façamos um cálculo muito simples, somando os lados de um quadrado e os lados de um retângulo. Consideremos um fragmento com forma quadrada, medindo 2km de cada um dos lados: área total = 4km2; e consideremos agora um fragmento com forma retangular que meça 1km por 4km, tendo assim os mesmos 4km2 de área do fragmento de forma quadrada. Quando somamos os 4 lados do quadrado obtemos um perímetro de 8km; e quando somamos os 4 lados do retângulo o perímetro será 10km.
Portanto, o perímetro da área retangular supera em 2km o perímetro da área quadrada. E assim, os efeitos externos são maiores sobre a área de forma “alongada”. É algo semelhante a isso que ocorre na vegetação ripária.
E quais seriam as consequências ambientais, em geral, sobre os rios e riachos onde a vegetação ripária fosse reduzida? É bem possível que o maior impacto resultaria do assoreamento desses cursos d’água, afetando drasticamente seu curso, como recentemente aconteceu com as cheias ocorridas em Pernambuco e Alagoas, em junho de 2010. A “responsabilidade” por tais catástrofes é invariavelmente atribuída à “força da Natureza”. Mas isso é uma falácia. O maior responsável é o ser humano, que sob a complacência das autoridades desmata, assoreia os rios, atira-lhes dejetos e resíduos os mais diversos e depois... se lamenta com as enchentes! E nossas autoridades, essas mesmas que não implantam nas comunidades ribeirinhas projetos de educação ambiental (incluindo os de manejo e preservação desses ecossistemas muito especiais), querem agora que acreditemos que seja necessária uma “adequação do código florestal à atual realidade brasileira, para continuarmos avançando na produção agrícola”.
Além disso, há outros problemas ambientais decorrentes da redução da vegetação ripária, como afirmam diversos pesquisadores, como por exemplo, a supressão da vegetação implica em maior incidência de sol na água, aumentando sua temperatura, o que leva a uma proliferação de algas e, por fim, à eutrofização da água, provocando a morte de peixes. Mas, se nossas autoridades estão pouco preocupadas (ou talvez nem estejam!) com os desastres causados aos seres humanos nas margens de rios, imaginem se estarão elas se preocupando com peixes nesses rios!!!
À revelia das informações científicas hoje conhecidas, querem os defensores da reforma (ruralistas e seus lobistas) que acreditemos que a expansão do nosso potencial agrícola seja necessária que se dê nas margens de rios e topos de montanhas e encostas. O excelentíssimo deputado relator da proposta, Sr. Aldo Rebelo, ainda afirma categoricamente que pesquisadores foram consultados e ampla discussão foi levada a efeito para elaboração da referida proposta! Curioso: os pesquisadores “dele” diferem de todos os outros que publicam trabalhos científicos [vejam por exemplo METZGER et al., Science, vol. 329, 10/julho/2010; onde são citados outros artigos] [no site do LEPAC - Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação, da USP, http://eco.ib.usp.br/lepac/codigo_florestal.html, vejam um artigo bastante esclarecedor de toda essa problemática, baixando o ensaio de Sparovek_etal_2010.pdf].
Sobre a necessidade de se alterar o código visando à expansão da nossa agricultura, vejamos o que disse Celso Manzatto, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente [transcrito de artigo de Giovana Girardi e Andreia Fanzeres, em divulgação da revista “UnespCiência”]: “Mostramos nos últimos 20 anos que é possível ganhar produtividade sem precisar incorporar novas terras. Não significa, necessariamente, que vamos ter desmatamento zero. O que o país precisa, e ainda não dispõe, é de políticas de ordenamento do território que apontem claramente quais são as áreas a serem ocupadas para a produção agropecuária no futuro.” Gerd Sparovek (de equipe de pesquisadores da USP, no ensaio acima citado e divulgado no LEPAC/USP), que fez um mapeamento de quanto do território deveria estar, ou já é, preservado, defende que não existe necessidade de revisar o código para permitir o desenvolvimento do setor agropecuário. Segundo ele, a agricultura tem espaço para se expandir sobre áreas de elevada e média aptidão agrícola que hoje são ocupadas pela pecuária extensiva (com 1,1 cabeça por hectare) [uma média produtiva, no sul do Brasil, é 4,5 cabeças por hectare]. Pelos seus cálculos, encontram-se nestas condições 61 milhões de ha, dentre os 211 Mha ocupados pela pecuária. “Com isso é possível quase dobrar a área agrícola no país”, afirmou Sparovek. Hoje a atividade se espalha por 67 Mha [transcrito de artigo de Giovana Girardi e Andreia Fanzeres, em divulgação da revista “UnespCiência”].
Aqui no nosso país, muitos atores decisivos da sociedade ainda não se aperceberam de que “há muito tempo já deveríamos ter passado da fase de desmatar e conquistar para a de preservar e recuperar o que foi destruído”. Ecologia da Recuperação não é modismo. É necessidade.
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