Três possíveis verdades. Em continuidade ao assunto tratado na postagem anterior, destaco inicialmente o capítulo sobre urbanização, na rica obra de G.T.Miller & S.E.Spoolman, “Living in the environment” [“Vivendo no ambiente”] onde os autores citam no início: “The city is not an ecological monstrosity. It is rather the place where both the problems and the opportunities of modern technological civilization are most potent visible” [dito por Peter Self, podendo ser traduzido como: “Cidade não é uma monstruosidade ecológica. É mais o lugar onde tanto os problemas como as oportunidades da civilização tecnológica moderna se potencializam visivelmente”]. E os autores discorrem com muitas informações sobre essa forte tendência mundial, destacando (além de muitas desvantagens) as vantagens da urbanização, como por exemplo: maior longevidade dos residentes urbanos do que os rurais, assim como menor mortalidade infantil e menor taxa de fertilidade, melhor acesso aos serviços (saúde, educação, serviços sociais...) e várias outras vantagens. Algumas até de fundamentação ecológica, como melhor capacidade de reciclar materiais, destinar resíduos etc.
Os autores citam Curitiba como um dos importantes modelos mundiais de “ecocidades”, embora apontando que já se reconheça que seja necessário novo planejamento para essa capital que já tem população superior a 1,7 milhões de habitantes (região metropolitana 3,3 milhões). Destacam os autores que os centros urbanos têm imensas “pegadas ecológicas” [= recursos naturais e condições ambientais em geral, necessárias para manter uma população humana de maneira sustentável, tal que disponha de áreas naturais para manter o consumo dessa população e para manejo dos resíduos por ela gerados]. Esta seria uma primeira verdade a ser considerada. A monopolização do capital natural. Estima-se que embora as populações urbanas ocupem apenas 2 por cento da superfície terrestre do planeta, elas consomem 75 por cento dos seus recursos e geram 75 por cento das emissões de carbono (de origem antrópica) segundo o World Watch Institute.
Um paradoxo. Ao mesmo tempo em que concentrando os seres humanos em áreas urbanas ajuda supostamente, a poupar habitats de vida selvagem, grandes áreas naturais provedoras de recursos naturais são utilizadas para ampliação de tais centros urbanos. Daí serem comuns aterros de zonas brejosas, de zonas costeiras produtoras de alimento sendo sacrificadas para construção de habitações, rodovias etc., imensas áreas naturais são inundadas para construção de hidroelétricas (Brasil e China são os campeões mundiais nessa prática).
E aos pouquinhos, com atrativos da modernidade, talvez sem se aperceber do que esteja lhe acontecendo, surge a possível segunda verdade: o ser humano perde a sensibilidade sobre a importância e a necessidade de se preservar a biodiversidade e outros importantes componentes do capital natural. À medida que as cidades crescem, diminuem as áreas verdes e sem elas desaparece a capacidade do solo de absorver naturalmente as águas pluviais e assim manter o ambiente sem ilhas de calor; aumentam as áreas de inundações dentro das cidades, aumentam a demanda por água de boa qualidade, aumentam as águas residuárias, os poluentes atmosféricos e outros infortúnios que todo citadino saberá enumerar. Qualquer paulistano sabe isso “na ponta da língua”. Observar a lua e as estrelas durante a noite (que coisa mais antiga!!! Ouvi alguém assim comentar) só será possível se for ao campo, distante das cidades. Em algumas cidades o uso das águas subterrâneas é imperativo, devido à indisponibilidade de água de superfície de boa qualidade e, para piorar a situação, o nível do lençol subterrâneo vem baixando de maneira alarmante em muitas regiões no mundo. Algumas cidades no oeste dos Estados Unidos servem como exemplo. Em Bangladesh a situação é trágica. Estando as águas de superfície contaminadas, para viabilizar seu consumo seria necessário esterilizá-las, ou seja, fervê-las; demandando energia, que lá é queima de madeira. Resultando em derrubada de florestas, muitas delas de encosta. Durante as torrenciais chuvas de monções os deslizamentos de tais encostas e as inundações são catastróficas. Na tentativa de superar esse problema, a partir de 1970 foram perfurados poços artesianos, salvando-se milhares de vidas das doenças veiculadas pela água contaminada. Mas após alguns anos observou-se que mais de 90 por cento da água subterrânea estava contaminada (naturalmente) com arsênio. A OMS estima que haja de 28 milhões a 77 milhões de pessoas que beberam água de poços potencialmente contaminados em Bangladesh. O arsênio causa a arsenicose (ou arsenicismo), com aparecimento inicial de úlceras gangrenosas (solado dos pés e nas palmas das mãos), problemas renais e câncer, da bexiga e pulmões, e finalmente a morte.
Partindo do princípio de que “a economia é a mola mestra do mundo”, vem acontecendo novas utilizações do capital natural pelo capital humano, que somente o tempo dirá se foi ou não acertado. Nos Estados Unidos muitos fazendeiros estão preferindo negociar a água com as cidades. No campo os fazendeiros gastam 1 mil toneladas de água para produzir 1 tonelada de trigo que vale U$200. Na cidade as indústrias gastam 14 toneladas de água para produzir 1 tonelada de aço que vale U$560. A prefeitura de San Diego comprou de fazendeiros, em 2003, o direito de uso anual de 247 milhões de toneladas de água, por 75 anos. Este repasse do capital natural (um reforço à monopolização, acima citada) seria uma terceira verdade. No Brasil, a hidroelétrica de Tucuruí, construída para se produzir alumínio mais barato, “é certamente uma ilustração da necessidade de mais realismo ao lidar-se com recursos naturais” [Cavalcanti, C. 2002. Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4ª.ed. São Paulo, Cortez Edit. 436p.]. E a expansão pecuária na Amazônia outro exemplo maior, de troca de um capital natural universal (a floresta) por um capital humano de um país (mesmo que seja o nosso!).
Acredito que os leitores saibam também de mais outras verdades.
Tudo isso, em breve e rápida análise de tais mudanças me deixa a impressão de que realmente existe o ser humano, crente da máxima filosófica moderna, generalizada, de que “tecnologia é a resposta”; e que acredite que um dia, a ciência propiciará alimento (talvez) sintético e abundante para todo ser humano, que “beberá” comprimido de água supertonificada e vitaminada, não gerará resíduos nem ruídos e por isso irá respirar ar puríssimo, vivendo em atmosfera paradisíaca, percorrerá milhares de quilômetros em veículos mágicos não poluentes, não adoecerá e (quem sabe?) morrerá quando quiser (!?), enfim, todos vivendo em maravilhosos grandes centros urbanos superfuncionais e... seria muita gozação acrescentar que este mesmo ser humano também acredite em Papai Noel!!!
Caros leitores, vamos à realidade presente: FELIZ NATAL e um ano novo que ainda esteja muito longe de ser o “2012 de Nostradamus”.
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