[Reproduzido de www.oeco.org.br]
O pesquisador que quer salvar animais com um celular
Angela Kuczach - 16/09/13
Atropelamento de fauna silvestre é um assunto indigesto. Ninguém gosta de ver um bicho atropelado na beira da estrada ou presenciar um atropelamento. Mas de embrulhar o estômago é tomar conhecimento de que, todos os anos, 450 milhões de animais morrem atropelados nas estradas brasileiras, mais de duas vezes a população humana do Brasil. De roedores a onças-pintadas, de anfíbios a sucuris, não importa o grupo, não importa o tamanho, a fauna brasileira é gravemente afetada. Até o leitor terminar de ler esse artigo, mais de 10.000 animais terão sido mortos nas estradas do país.
Para chegar à estimativa dos 450 milhões de animais mortos anualmente no Brasil, Alex baseou-se em artigos científicos publicados com dados de diferentes biomas brasileiros. Com base nas taxas de atropelamento destes artigos foi estabelecida uma taxa média para o território brasileiro e extrapolada para toda a malha de 1,7 milhões de quilômetros. Considerando que existe uma ampla diferença entre rodovias e estradas (asfalto e terra, federal/estadual/municipal), com diferentes probabilidades de atropelamento, foi estabelecido um fator de correção. Neste caso, rodovias federais de pista simples tiveram coeficiente 1, enquanto que estradas de terra municipais tiveram um coeficiente 0,18. As análises foram realizadas para cada estado brasileiro e para animais de pequeno, médio e grande porte. Os dados mostram que mais de 400 milhões são de pequenos vertebrados, cerca de 3 milhões de grandes vertebrados, e os demais de médio porte.
Pouco se fala sobre o problema, menos ainda se sabe sobre ele. Apenas recentemente a Ecologia de Estradas começou a ser pesquisada no Brasil. A ciência é nova até em termos mundiais. Richard Forman, pesquisador da Universidade de Harvard, começou a pesquisar o tema na década de 90. Em 1998, publicou o artigo Roads and Their Major Ecological Effects (Estradas e o seu grande impacto ecológico). Por aqui, os primeiros estudos datam de 1988 (Novelli et al., 1988), apesar do termo Ecologia de Estradas somente ser incorporado ao cotidiano na vida acadêmica quase duas décadas depois.
Um dos especialistas na área é o Professor Alex Bager, da Universidade Federal de Lavras, um oceanólogo que, no seu caminho para o mar, começou a prestar mais atenção no que acontecia nas estradas. Ele iniciou seus primeiros estudos sobre o assunto em 1995, quando atuava no Rio Grande do Sul. Por lá, chamava a atenção o número impressionante de animais que morriam atropelados na região do Taim. "Eram lontras, capivaras, tartarugas, gatos e muitos cachorros do mato que morriam diariamente na estrada que corta a Estação Ecológica do Taim e seu entorno. Em 2002, iniciamos um estudo que resultou no monitoramento de 150 quilômetros de rodovias e uma taxa de 2,1 animais atropelados por quilômetro por dia, ou mais de 100 mil animais por ano", conta Bager.
Em 2009, ele assumiu a cadeira de Ecologia na Universidade Federal de Lavras (UFLA) e o tema da Ecologia de Estradas tornou-se o eixo central do seu trabalho. Primeiro veio a formação de um grupo de estudos (2009), formado por 5 universidades brasileiras, dedicado a discutir e desenvolver a ecologia de estradas em diferentes regiões do Brasil. O assunto começou a ganhar força e em 2010, quando o grupo realizou o primeiro Congresso Brasileiro de Ecologia de Estradas (Road Ecology Brazil – REB), com uma segunda edição já em2011. Durante a segunda edição do REB Alex criou o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), e ampliou o rol de parcerias com universidades e centros de pesquisa em diferentes países, destacando-se a Argentina, EUA, Portugal, Austrália.
A carência de dados sobre o número de animais atropelados no Brasil vem da falta de sistematização na coleta. Não existe hoje um protocolo para informações dessa natureza, um sistema de monitoramento padrão que permita comparar os dados entre as diferentes regiões do país.
Protocolos são ferramentas comuns no mundo científico e permitem que os especialistas contribuam com seu precioso tijolinho para o grande alicerce do conhecimento. Entretanto, quando falamos da Ecologia de Estradas no Brasil, não é fácil criar um protocolo. Estamos falando de mais de 1,7 milhões de quilômetros de estradas passíveis de serem monitoradas.
Coleta Sistemática
Pensando na miscelânea de fontes de informações, que podem ser coletadas por especialistas, funcionários de concessionárias e até por leigos, Alex está propondo por meio do CBEE (Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas) um protocolo de monitoramento para alimentar o chamado Banco de Dados Brasileiro de Atropelamento de Fauna Selvagem (BAFS), que irá integrar todas essas informações. O piloto desse protocolo já começou a ser colocado em prática por meio do monitoramento de estradas que cortam 20 Unidades de Conservação (federais e estaduais) em todo o Brasil. As atividades de campo estão sendo realizadas pelo corpo técnico dessas UCs, que, ao cadastrar informações, ganham em troca a análise dos seus dados.
Para que o protocolo seja seguido Alex está capacitando os profissionais envolvidos, e nesse momento, percorre o país promovendo oficinas em Unidades de Conservação.
Um dos objetivos do Congresso é debater os impactos dos empreendimentos viários sobre a biodiversidade e encontrar soluções para o problema. A organização de um evento dessa natureza é possível graças a força tarefa dos 21 estudantes de graduação e pós graduação do CBEE, que colaboram desde a logística até a análise dos trabalhos inscritos. A próxima edição do Congresso Brasileiro de Ecologia de Estradas, o REB, já está marcada para acontecer entre os dias 27 e 29 de janeiro de 2014, em Lavras – MG.
Um urubu para ajudar
Em meio a toda essa atividade de pesquisa e coordenação de informação, há um novo e ambicioso plano de Alex e sua equipe: trata-se do aplicativo para celulares "Urubu Mobile".
-- Urubu, o quê?, pergunta quem ouve o nome pela primeira vez.
Alex explica:
-- É um aplicativo para a coleta de dados sobre atropelamento de fauna silvestre desenvolvido para tablets e smartphones, idealizado pelo Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas e produzido com o auxílio dos departamentos de Ciência da Computação, Ciências Florestais e Biologia da Universidade Federal de Lavras, além de uma parceria com a Tetra Pak, que também aposta no projeto.
A idéia é simples e ao mesmo tempo fantástica. Qualquer pessoa que tenha um celular inteligente ou tablet poderá baixar o Urubu Mobile e colaborar com a coleta de dados sobre animais atropelados. Ao encontrar um animal morto na beira da estrada, a pessoa abre o aplicativo, fotografa e automaticamente a imagem é georeferenciada e, quando encontrar o sinal de uma rede wireless, é enviada para o Urubu Web. Uma vez no sistema, uma equipe especializada identifica a foto e obtém o registro da espécie. Como o dado fica armazenado no sistema, com a localização exata, impede-se que fotos repetidas sejam computadas como indivíduos diferentes e assim superestimar os dados.
"A idéia é que toda e qualquer pessoa baixe o aplicativo e o utilize por aí: motoristas de caminhão, taxistas, motoristas de ônibus, pessoas que costumam trafegar pelas estradas do país de um modo geral. Em um mundo cada dia mais ligado nas redes sociais, está sendo estabelecida a maior rede colaborativa de monitoramento de fauna que o Brasil já presenciou", diz Alex. "A idéia é que essas pessoas sejam nossos olhos por todo o país e assim tenhamos uma noção um pouco melhor do que realmente acontece Brasil afora." Públicos mais seletos também estão sendo convidados a utilizar o aplicativo, como funcionários das concessionárias que administram algumas rodovias do país e empresas transportadoras.
Em tempos de redes sociais, em que tudo vira notícia, Alex está transformando em uma espécie de jogo um tema difícil: "quem mandar as fotos para nós entra num sistema de pontuação que varia de 'urubu-preto (a espécie mais comum) até urubu-rei (o mais raro dos Cathartideos)", diz. O princípio é que nas redes sociais status vale mais do que prêmio.
"Sabemos muito pouco sobre os atropelamentos de fauna no país, então o que vier é lucro. Se aumentarmos o volume de dados em 10% já vamos dar um salto enorme", diz Alex. Com a melhora dos dados será mais fácil propor medidas que reduzam o número estratosférico de animais atropelados anualmente no Brasil.
"Contudo", diz Alex, "entender o impacto e reduzi-lo são coisas diferentes. Precisamos de vontade política, engajamento e parceiros envolvidos tanto quanto de informações".
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