Movimento político quer acabar com área protegida no Amapá
Um movimento de deputados estaduais associados a setores econômicos no Amapá pretende forçar a votação, na Assembleia Legislativa, de um projeto de lei que revogará a Floresta Estadual (Flota) do Amapá.
Os parlamentares pretendiam aprovar a proposta nessa quarta (19), mas uma recomendação do Ministério Público Estadual manteve a unidade de conservação, por enquanto. Em sua argumentação (disponível no atalho ao lado), os procuradores alegam que uma decisão sobre o futuro da flota depende da transferência formal de terras federais para o estado.
Em 2006, quando a floresta estadual foi criada, a Presidência da República se comprometeu a repassar as terras para o Amapá, desde que elas fossem transformadas em uma unidade de conservação. A área protegida foi corretamente criada, mas a transferência das terras ainda não foi oficializada.
Ana Euler, diretora-presidente do Instituto Estadual de Florestas (IEF) do Amapá, aponta que a ofensiva contra a floresta estadual ganhou força apenas nos últimos meses, enquanto a área protegida foi criada há 8 anos, sem oposição. O avanço da fronteira produtiva na Amazônia e a proximidade das eleições podem explicar este fato. “Gostaríamos de fazer um debate técnico sobre isso, mas o que vemos é apenas um movimento político, um movimento eleitoreiro”, afirmou.
Interesses individuais
Para o coordenador do Programa Amazônia do WWF-Brasil, Marco Lentini, os movimentos políticos em favor da diminuição de área ou do status de conservação das áreas protegidas da Amazônia estão, infelizmente, se tornando comuns.
“Tais áreas foram originalmente criadas para defender interesses coletivos no que se refere à conservação da biodiversidade, à manutenção dos serviços ambientais providos por estes ecossistemas e, frequentemente, para preservar meios tradicionais de uso dos recursos naturais e de sobrevivência de conhecimentos e culturas. Entretanto, quando são descriadas, o processo é o inverso: defende interesses individuais de grupos ou de indivíduos”, declarou.
O especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, Aldem Bourscheit, afirma que a floresta estadual não será um entrave ao desenvolvimento econômico do Amapá, como apostam deputados favoráveis a sua extinção. “Ao contrário do que discursam, A floresta estadual não engessará a economia do Amapá. Pelo contrário, em seu plano de manejo estão previstos o extrativismo, o manejo madeireiro e outras atividades econômicas que devem ser conduzidas de forma sustentável. E essas atividades vão gerar lucros e empregos”, afirmou.
“Os interesses envolvidos na tentativa de revogação da flota querem gerar instabilidade política na gestão ambiental do estado e abrir as portas da área hoje protegida para o desmatamento, com alto impacto socioambiental”, completou Bourscheit.
Ações em curso
Em abril, o Governo do Amapá deve lançar um primeiro edital para concessão de florestas para manejo, inclusive dentro da floresta estadual. “Lançamos o pré-edital em dezembro, fizemos reuniões técnicas em fevereiro, temos audiências públicas marcadas para março. Estamos sim trabalhando pela exploração econômica racional dos recursos que temos”, ressaltou Ana Euler, do IEF.
O objetivo das concessões é legalizar a exploração de recursos naturais, como a madeira. Na Amazônia, onde a ilegalidade da madeira produzida e comercializada é altíssima, os editais de concessões são instrumentos que podem ajudar a garantir renda para as populações e a manter a exploração mais ordenada e legal.
A primeira concessão deve arrecadar cerca de R$ 8 milhões anuais emroyalties, que serão divididos entre estado e municípios no entorno da floresta estadual.
Pessoas e conservação
Conforme um levantamento socioambiental feito para o plano de manejo da floresta estadual, concluído em janeiro, há entre 350 e 400 famílias dentro da área protegida. Como a unidade de conservação é de uso sustentável, não impede a presença de pessoas, e a diretriz de trabalho é basicamente saber quem quer continuar e quem quer sair da região.
“São necessárias políticas coordenadas entre governo federal, estado e municípios para ajudar quem realmente vive no campo. As famílias que quiserem sair serão encaminhadas a assentamentos federais no estado, hoje subocupados. E quem quiser permanecer na área, poderá extrair recursos para sua sobrevivência de forma sustentável”, afirmou Ana.
Rondônia extingue resex
A Flota do Amapá, no entanto, não é a única área protegida ameaçada na Amazônia.
A Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou, esta semana, a extinção da Reserva Extrativista Jacy-Paraná. A unidade de conservação abrangia parcelas de três municípios e possuía 199 mil hectares. O motivo aventado pelos deputados foi o de auxiliar famílias de agricultores que vivem dentro da reserva e que, segundo os parlamentares, não teriam sido ouvidas no momento da sua criação, em 1996.
O atropelo gerou uma forte resposta do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) que, em carta aberta, afirmou que a iniciativa faz parte de “uma iniciativa para destruir as florestas de Rondônia”. No texto em que desaprovam a extinção da Jacy-Paraná, o Grupo destaca assédios e pressões sobre populações tradicionais e ribeirinhas para aderirem ao movimento contrário à reserva.
“A frente parlamentar da grilagem em Rondônia emprega um discurso falacioso de que são pequenos produtores, mas há informações de que tal qual na Flona Bom Futuro, a maior parte das terras da resex Jaci-Paraná foram apossadas por fazendeiros, que grilaram as mesmas para pecuária de corte ou especulação fundiária. Basta uma análise na dinâmica do desmatamento da reserva, com inúmeros desmates anuais com polígonos de mais de 100 ha. Pelos menos uma dezena de imóveis tem mais de mil cabeças de gado bovino e várias dezenas de posses têm uma ou mais centenas de cabeças, ou seja, não se trata de pequenos produtores de origem humilde.”, diz um trecho da carta, que pode ser conferida no atalho ao lado.
Entre 2008 e 2009, a Amazônia perdeu quase 50 mil quilômetros quadrados em área protegida com a extinção e a redução de unidades de conservação e terras indígenas, segundo dados do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia. A área equivale a dos estados de Alagoas e Sergipe, juntos.