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5 de jul. de 2009

COMER MAIS (E MELHOR) E MATAR MENOS: O DILEMA “CARNE OU CEREAIS”???



Tenho me deparado recentemente com publicações e discussões sobre criação e proliferação de gado bovino e as questões relacionadas principalmente à economia e preservação ambiental (incluindo aqui a legislação ambiental), sócio-economia e saúde humana. Tenho observado que a corrente de opinião pró-ingestão de carne apresenta pontos positivamente justificáveis, mas também explicações frágeis ou contestáveis. Em termos ambientais, que me diz respeito como profissional da ecologia, devo ater-me aos aspectos que contribuam para se traçar uma política ambiental que inclua a obtenção da carne bovina num planejamento fundamentado em bases científicas agro-ecológicas, sócio-econômicas e em respeito às leis ambientais, nesta seqüência (que dão suporte ao estabelecimento de uma política ambiental que vise sustentabilidade).
Em termos de saúde humana encontramos na literatura mundial sobre alimentos, que a carne bovina tem propriedades incontestavelmente positivas (veja o quadro acima sobre a composição nutricional de carnes de animais, reproduzido de “Gado de Corte Divulga” (Campo Grande, MS, dez. 2000 no 41 ISSN 1516-5558, por Ezequiel Rodrigues do Valle). O balanço benefício-malefício da carne bovina (e/ou das carnes vermelhas em geral) se chocam, ao afirmar-se por exemplo que: “ela possui altas concentrações de ácido linoléico conjugado (CLA), composto associado à prevenção e combate de determinados tipos de câncer”; e ao mesmo tempo “seu consumo está relacionado com certas degenerações cardíacas”... e outras informações que fazem o consumidor de carne vermelha ou tornar-se fisicamente forte e resistente ou mais um paciente de uma clínica ou hospital! Se os consumidores de carnes vermelhas e embutidos (carnes processadas) lerem o artigo recentemente publicado no “Archives of Internal Medicine” (Arch Intern Med. 2009 Mar 23;169(6):562-71), sob título “Meat intake and mortality: a prospective study of over half a million people” = Ingestão de carne e mortalidade: um estudo prospectivo de mais de meio milhão de pessoas) os comedores de carne provavelmente se sentirão “aliviados” com a conclusão dos autores: “ingestão de carnes vermelhas e carnes processadas foram associadas a aumentos modestos com a mortalidade total, mortalidade por câncer e mortalidade por doença cardiovascular”. Eu, pessoalmente continuo com receio de ser incluído nesse aumento modesto!
As vantagens do rebanho bovino vão mais além quando avaliamos sua contribuição em termos de produção de leite. Embora, neste aspecto, algumas pessoas saibam que, em termos naturalistas, digamos assim, “o leite de um mamífero foi criado pela Natureza para alimentar o filhote daquele próprio mamífero”. Há indícios de que está se tornando mais freqüente nas populações humanas, o aparecimento de crianças que sejam intolerantes a leite animal (que não seja o da própria mãe). Eu, continuo consumidor moderado de leite de vaca. Um dos meus filhos, hoje com 16 anos de idade, nunca pôde consumi-lo. Após a amamentação materna, ele teve que passar a consumir leite de soja; e tem tanta ou mais saúde, do que os outros que consomem leite animal! Portanto, não me parece ser este um problema com que devamos nos preocupar. Quem puder consumi-lo, que o faça.
Em termos ambientais... aí sim, há muito que ser avaliado e discutido. Privilegiar a produção de cereais ou a de carne? Resgato inicialmente um escrito de Robert Goodland que figura na destacada publicação “CAVALCANTI, C. (org.) (2002) Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas, 4ª.ed., São Paulo, Cortez Edit. e Fundação Joaquim Nabuco, 436p.”, sob título: Sustentabilidade Ambiental: Comer Melhor e Matar Menos (expressão esta que tomei emprestada para título deste ensaio). Nessa contribuição R. Goodland discorre sobre valores nutricionais de cereais e carnes, política alimentar, aspectos ecológicos e filosóficos em geral, assim como sobre valores relacionados à saúde humana e crença religiosa. Em termos de sustentabilidade ambiental vejamos alguns pontos de destaque dessa publicação, principalmente na comparação entre produção de cereais e de carne animal: 1) o gado de corte durante a engorda consome sete quilos de cereal para produzir um único quilograma de peso em pé, ou produto em pé em sua expressão ecológica (comentário meu sob o aspecto ecológico: sugiro aos leitores que consultem, num livro de ecologia ou no meu Glossário de Ecologia e Ciências Ambientais, o gráfico de ODUM representativo da transferência de energia através da cadeia alimentar e vejam quanto de energia se evitaria perder “se fôssemos mais herbívoros”); 2) o porco consome quase quatro quilos de grãos para cada quilo de peso em pé; 3) frango e peixe (mais eficientes na conversão) consomem dois quilos de grãos para cada quilo de peso em pé; 4) produção de queijo: 3 quilos de grãos para cada quilo desse produto; e produção de ovos: 2,6 quilos de cereais por quilo desse produto. Segundo avaliação de Lester Brown, pesquisador em sustentabilidade ambiental, os países que lideram essa “transformação de cereais em carne” são Estados Unidos e China. Robert Goodland então pergunta: “Se os indivíduos mais prósperos do mundo aceitassem simplificar sua alimentação (por razões de saúde ou ética ou economia, ou religião...) liberariam os cereais assim poupados e os distribuiriam para prevenir a fome e a desnutrição onde e quando necessário”?
Em termos econômicos, apenas alguns comentários de quem passa “marginalmente” pelo conhecimento dessa problemática. Os pobres normalmente gastam 70% e às vezes mais, de sua renda com alimento. Os ricos, cerca de 20%. Partindo do princípio de que um hectare de terra com plantio de grãos possa produzir de duas a 10 vezes mais do que um hectare destinado à produção de carne bovina e que um hectare de legumes pode produzir de 10 a 20 vezes mais proteínas do que o mesmo hectare voltado para a carne de boi (segundo o artigo de R. Goodland acima citado), antes de decidirmos por uma política pró-gado bovino, precisamos observar se no local objeto da ocupação não haveria maior retorno se optássemos por produção de cereais. Priorizar tal decisão exclusivamente por razões econômicas (carne bovina é “artigo para exportação”), ou por razões de preferência alimentar, deixando de lado outras questões, como conservação/preservação ambiental e sócio-economia ambiental, se contrapõe ao que hoje se entende por desenvolvimento sustentável.
Em termos ambientais há muito a se considerar. Obviamente há de se levar em conta a região ou microrregião onde se pretenda estabelecer a atividade pecuarista, devendo-se observar principalmente o clima e o solo. Se tal local for sujeito a variações climáticas extremas, como seca freqüente por exemplo, devemos nos lembrar que pastagem demanda 10 vezes mais água de irrigação para produzir um quilo de carne do que plantio de soja para produzir um quilo de grãos. Se no local a ser explorado a água não é problema, a emissão de gás metano (forte característica dos ruminantes) não deveria ser objeto de preocupações ecológicas por “ecologistas e ambientalistas” (por favor, não me incluam nessa classificação; eu sou ECÓLOGO). Por que na atmosfera há muito mais metano emanado de zonas pantanosas, brejos, arrozais e muitos mais outros gases do aquecimento global emanados de veículos automotores. Vejamos ainda os seguintes números: o total de metano gerado anualmente nas Usinas Hidroelétricas do norte, Tucuruí, Samuel, Curuá-Una e Balbina, equivale ao total anual emitido na cidade de Sâo Paulo (obs.: uma tonelada de metano é igual a 25 toneladas de dióxido de carbono como potencial do aquecimento global).
Com respeito à expansão de novas fronteiras da pecuária bovina, no nosso caso a Amazônia, no documento “O Reino do Gado: uma Nova Fase na Pecuarização da Amazônia Brasileira” (documento de Amigos da Terra/2008, divulgação em PDF no site http://www.amazonia.org.br/) alguns aspectos merecem ser destacados e sobre eles devemos refletir cuidadosamente: 1) em 2007 ocorreram mais de 10 milhões de abates bovinos, tendo o rebanho da Amazônia representado 36% do rebanho nacional (Brasil maior produtor mundial de carne bovina); 2) modelo predominante atual: a venda da madeira financiando a derrubada da floresta, a queima e a introdução de pastagem; 3) baixo custo da terra: muitas terras públicas passíveis de serem apropriadas ilícita e impunemente; 4) agravantes: carência de políticas públicas na área fundiária (com impunidade na apropriação indevida) e crédito sem restrição para atividades ilegais; 5) baixo investimento na recuperação de pastagens: dados da Embrapa revelam que desde os anos de 1990 o custo de recuperação de pastagens pode ser quatro vezes maior do que o da utilização de novas terras; 6) baixa capacidade de suporte ou lotação média: 1,4 cabeça por hectare; 7) falta de zoneamento agro-ecológico e falta de incentivo fiscal para converter sistemas de produção extensivos em intensivos sustentáveis (com adequação à legislação, tecnologias, gerenciamento...); 8) predominância de grandes grupos financeiros, sendo os pequenos produtores esquecidos. Alguns pontos positivos que vêm ocorrendo devem ser observados e incentivados: a) geração de tecnologias de intensificação e manejo de pastagens apropriadas; b) condições boas para a raça Zebu; c) adoção de pecuária com gestão empresarial.
Alguns outros fatos negativos têm ocorrido nos Estados de MT, PA, AC e RO, segundo o citado documento de Amigos da Terra/2008, como por exemplo: (i) maioria dos 200 frigoríficos operando ilegalmente; (ii) 73% dos frigoríficos adquirindo carne de fazendas com trabalho escravo (2006-07). Esses fatos contribuíram para as medidas recentes de certificação que o governo federal intenciona implantar para controle da produção de carne na Amazônia e que vem gerando protestos de pecuaristas.
Aqui, como conclusão, é bom observarmos o que revelou uma pesquisa do DataFolha, em abril/2009: “Brasileiro aceita pagar mais para produto com certificação socioambiental” (81% dos entrevistados disseram que dariam preferência, mesmo com preço um pouco superior, a produtos com certificação florestal) [ver pesquisa completa em www.amazonia.org.br/arquivos/311527.pdf]. É impressionante, segundo o DataFolha, que em 2006 o conhecimento do brasileiro sobre o “FSC – Forest Stewardship Council” era nulo; e que agora, um quinto da população entrevistada (com pequenas variações regionais) já tenha conhecimento do que se trata. E você, leitor(a) se ainda não sabe o que esse certificado significa, é só ler o que extraí do Glossário de Ecologia e Ciências Ambientais:
CERTIFICAÇÃO DE MATERIAL DE FLORESTAS
Documento ou certificado concedido aos explotadores de recursos florestais. O “FSC – Forest Stewardship Council” (literalmente, em inglês, Conselho de Procuradoria (ou Intendência) de Florestas) é a primeira instituição credenciadora de certificadores na área florestal. É uma entidade não-governamental (sem fins lucrativos) internacional, sediada em Oaxaca, México, tendo sido fundada em 1993, com o objetivo de promover a conservação cuidando do credenciamento e monitoramento de certificadores de florestas que estejam submetidas a práticas de bom manejo. O FSC recebe apoio do setor ambientalista e pouco a pouco, também do setor empresarial e de governos de diferentes países.

Acredito que muitas discussões virão sobre esta problemática: “comer ou não comer carne não é só uma questão de princípios; e se for motivo de preocupação sócio-econômica é bom lembrar que todo desenvolvimento sustentável somente pode ser efetivado na seguinte ordem: desenvolvimento sustentável ecológico, econômico e social”. Minha opção, como ecólogo e cidadão brasileiro: a carne bovina não faz parte da minha alimentação.

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