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As sucuris causam um impacto significativo aos agricultores ao comerem animais domésticos, e este é um fenômeno bem conhecido nas áreas úmidas da América do Sul. Porém, as causas dos abates de sucuri feitos por agricultores ainda são pouco documentadas. Para fazer essa investigação, surgiu a ideia de fazer um estudo baseado em vídeos da internet. Os resultados são surpreendentes.
Iniciado em 2014, o estudo usou vídeos públicos, gerados espontaneamente, que flagram interações entre as pessoas e as sucuris. Eles permitem aos pesquisadores monitorar as reações a esses animais, e o que acontece em seguida.
Como me especializei em predadores, notei que era uma questão de tempo até as sucuris serem incluídas na lista de espécies que causam conflitos homem-fauna, no jargão dos cientistas. Esses são conflitos derivados do choque de interesse entre os bichos e gente. Elefantes se alimentando de arrozais e gaviões comendo pintinhos são exemplos conhecidos. O prejuízo no bolso do agricultor costuma ser pago com a vida dos bichos.
Coletamos em paralelo dados sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da área onde cada incidente ocorreu, além do resultado do encontro entre agricultores e sucuris. O IDH é uma estatística composta pelo nível educacional das pessoas, assim como pela expectativa de vida e renda per capita. Desta forma, foi possível comparar entre locais de IDH alto e baixo a chance da sucuri ser morta.
Para nossa surpresa, não foi a predação de animais domésticos o fator que tornava a morte da sucuri mais provável. Esta variável foi o IDH, independente da sucuri estar ou não se alimentando de animais domésticos. Quanto mais baixo o IDH, maior a chance da sucuri ser morta. Aprendemos que as pessoas não estão matando as sucuris em retaliação. Mais parece, que em áreas de baixos índices educacionais, elas o fazem por considerarem esses animais perigosos.
Predação de animais domésticos
O estudo também lançou luz sobre o padrão de ataques a animais domésticos. Christine Strüssmann, Professora da Universidade Federal de Mato Grosso, explica que os dados da internet ajudaram a explicar como as sucuris podem sobreviver em ambientes urbanos: “Nós confirmamos 78 registros de predação, e em 23 deles as sucuris haviam consumido animais domésticos. Mas, apenas 21% das sucuris que comeram animais domésticos foram mortas, enquanto populares mataram 28% das sucuris que predaram animais silvestres”.
Os dados indicam que as sucuris comem animais domésticos numa escala muito maior do que supunham os cientistas. Na natureza, as sucuris geralmente se alimentam de aves semiaquáticas, além de mamíferos e répteis. Porém, em áreas urbanas e rurais, um terço das presas eram bichos como cães, galinhas, patos, bezerros e gatos. A presa silvestre mais comum foi a capivara. Mas as sucuris também foram flagradas comendo animais pra lá de inesperados, entre eles uma jiboia e um ouriço!
Falsa ameaça
O estudo também mostrou que ataques não provocados são raros. Em 330 amostras, apenas um ataque a humanos não provocado foi registrado. O caso é bem conhecido, de um menino mordido e constringido por uma sucuri enquanto tomava banho em um córrego em São Paulo. O avô da criança matou a serpente com um facão, enquanto o neto precisou tomar alguns pontos após se recuperar do susto. Nos vídeos, outras duas pessoas foram mordidas após cutucar sucuris na natureza. Enquanto isso, 52 sucuris foram mortas por pessoas, principalmente as maiores.
Animais de maior porte em regiões de baixo IDH são os principais alvos de abate indiscriminado. A alta probabilidade de morte para sucuris grandes confirma os resultados do IDH. "Indivíduos grandes são percebidos como os mais perigosos para as pessoas e, logo, têm uma grande chance de serem mortos”, diz Christine Strüssmann. “As maiores sucuris, no entanto, são fêmeas, e estas produzem a maior parte dos filhotes”. Quatro espécies de sucuris ocorrem na América do Sul. As fêmeas são muito maiores que os machos, e quanto maior a fêmea, maior o número de filhotes, que pode passar de 80.
A pesquisa foi financiada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico) e FAPEMAT (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Mato Grosso)e faz parte de um projeto maior com sucuris, no Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade da UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso).
Os próximos passos envolvem conversar com os produtores de forma a medir a percepção de risco, a escala real da predação de animais domésticos por sucuris e as práticas de manejo dos produtores. Queremos entender como essas características afetam o consumo de animais domésticos, questões que estão sendo abordadas por um estudo de campo no Pantanal.
Espera-se que desses esforços surjam técnicas de manejo para evitar o ataque a animais domésticos. Nós também também pretendem educar os agricultores sobre as sucuris e o baixo risco que representam para as pessoas.
Junto com Christine, estou comprometido com a conservação das sucuris. Aumentar o conhecimento sobre o animal e suas interações com o Homem pode ajudar a encontrar um futuro sustentável para a maior serpente do mundo.
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