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22 de jan. de 2020

AMAZÔNIA: DISTINGUIR PRESERVAÇÃO DE CONSERVAÇÃO. E A IMPORTÂNCIA DESTA ÚLTIMA!

Diante de muitas discussões sobre o que deve ser feito para a conservação da Amazônia e também, o que não pode nem deve ser feito, eis aqui uma entrevista com pesquisador que vive na Amazônia e dá sua importante contribuição para que se possa conhecê-la em sua amplitude ecológica, econômica, social.
Entrevista à: https://brasil.mongabay.com/2020/01/uso-racional-dos-recursos-da-amazonia-e-a-melhor-estrategia-para-sua-conservacao-afirma-cientista-marcelino-guedes/


Trechos em destaque
Ajudar a proteger a Amazônia já estava nos planos do cientista e professor Marcelino Carneiro Guedes em sua graduação em Engenharia Florestal na Universidade Federal de Viçosa (MG). Mesmo que a UFV não tivesse muita ligação com a região amazônica, ele direcionou sua formação em direção à floresta, o que o levou a atuar como pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) no Amapá, inicialmente na área de conservação e manejo de solos.

“É preciso entender que existe uma diferença entre a floresta conservada e a floresta desmatada. Aqui no Amapá temos a floresta conservada, com baixíssimo desmatamento e pouca demanda para o cuidado de áreas degradadas. Nosso desafio aqui é manter o que está conservado”, aponta.


Mongabay: De que modo a presença humana pode ser importante para a conservação da Amazônia? 
Marcelino Guedes: O conceito de preservação pressupõe o homem apartado da floresta. Por isso é importante falarmos de conservação, não de preservação. As práticas humanas, por meio do manejo, são a base para a conservação da Amazônia – a chamada “conservação pelo uso”, como já pregava [o extrativista e ambientalista] Chico Mendes. Usar a floresta de maneira racional, manejando seus produtos madeireiros e não madeireiros e serviços ecossistêmicos [sequestro de carbono, conservação da biodiversidade, solo, água] para tirar dela a renda e a riqueza necessárias à promoção do bem viver e desenvolvimento, é o caminho para que possamos criar uma dinâmica de conservação efetiva em longo prazo diante das muitas pressões sofridas pelo território.
A floresta em pé pode ser financeiramente lucrativa?
Sim, com certeza. Vários trabalhos têm mostrado com clareza que os ganhos obtidos pagam os custos do manejo e que a floresta em pé pode gerar lucro. A madeira, por exemplo, é o principal ativo econômico da floresta e tem mercado garantido. Os PFNM (Produtos Florestais Não Madeireiros) estão sendo cada vez mais valorizados e ganham mercado atendendo diversas indústrias como a de alimentos, fitoterápicos e cosméticos. Além disso, ainda existe a possibilidade de compensação pelo serviço ambiental que prestam as pessoas que cuidam e ajudam a manter a floresta em pé. Quando se tem uma economia florestal forte e esses guardiões conseguem retirar da floresta a sua renda, eles passam a ser os principais interessados em mantê-la em pé, em uma prática que alia desenvolvimento econômico, social e a conservação de forma integrada.
Os distúrbios provocados pelos indígenas, principalmente por meio das práticas da agricultura itinerante, foram importantes para criar uma paisagem diversa, resultando na abundante diversidade que conhecemos hoje. O manejo indígena dos solos promoveu melhorias extraordinárias na sua qualidade, como pode-se constatar ainda hoje nos solos antropogênicos [que tiveram ação humana] da Amazônia. A chamada “terra preta de índio”, por exemplo, é de extrema fertilidade e é um legado dos antigos indígenas que utilizaram seus saberes para o enriquecimento do solo ao longo de milênios.
Qual é o papel da ciência, na sua opinião, para a conscientização da população e o desenvolvimento de políticas públicas que visem manter a floresta em pé?
Infelizmente, um papel que deveria ser central está cada vez mais subjugado. A polarização política e ideológica da população faz com que cada vez menos se acredite na ciência. Cada vez mais temos argumentos científicos para defender a floresta em pé, mas isso não chega à população e não causa impacto na sociedade. A visão social predominante sobre a Amazônia ainda é dualística, dos que imaginam a floresta um paraíso que deve ser mantido intocado ou um inferno que deve ser queimado.
É em grande medida por esse desconhecimento, também, que ainda existem vozes que se levantam contra a prática do manejo, defendendo a preservação e a ausência de atividade humana na floresta como forma de protegê-la mesmo com todas as evidências, científicas e históricas, sobre a importância dessa interação para a biodiversidade.
O papel da ciência é quebrar essa polarização e trazer base técnica para o desenvolvimento sustentável a partir do uso e conservação da floresta. Mas para isso acontecer é fundamental que as informações cheguem à população em geral – para que argumentos e tecnologias não fiquem restritos apenas aos nossos pares.
Quais as principais dificuldades para a implantação de um manejo efetivamente sustentável na Amazônia e qual o papel da legislação brasileira nesse processo?
Falta de liquidez financeira e elevados custos iniciais, falta de regularização fundiária, carência de crédito e assistência técnica para habilitação da floresta, além da elaboração do plano de manejo, são as maiores dificuldades. Além disso, ainda contamos com excesso de burocracia e morosidade no processo de licenciamento. A legislação precisa ser simplificada e criar incentivos para quem quer fazer manejo e ser mais exigente e ter maior controle sobre as atividades que dependem do desmatamento.

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