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14 de abr. de 2014

SOJA NO AMAPÁ: ANTES DE SER SOLUÇÃO PARA PRODUÇÃO, PROBLEMAS FUNDIÁRIOS E DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRECISAM SER RESOLVIDOS

Cerrado do Amapá pode se tornar nova fronteira agrícola

Equipe da Embrapa e produtores de grãos no Cerrado do Amapá; área de soja alcançou 6 mil hectares no ano passado

Depois do Tocantins, o Amapá desponta como nova fronteira agrícola na região Norte do país. Com boas condições climáticas e solo fértil, o Cerrado amapaense tem despertado o interesse de pequenos e médios produtores e até de grandes grupos vindos de regiões tradicionais.

A localização estratégica do Estado e a ampliação do porto de Santana pela Companhia Norte de Navegação e Portos (Cianport) representam outro atrativo para os agricultores, sobretudo de Mato Grosso, interessados em escoar parte da safra de grãos pelo rio Amazonas como alternativa para reduzir custos de logística. O avanço do agronegócio, porém, preocupa o governo. As terras para plantio são limitadas e fazem divisa com a Floresta Estadual do Amapá (Flota).

Os primeiros plantios de soja na região foram em 2001 e envolviam apenas 200 hectares. A chegada de produtores com capacidade de investimento e tecnologia há dois anos mudou o cenário.

De 2012 para 2013, a área plantada com grãos passou de 2,4 mil para 10 mil hectares, enquanto a produção de grãos passou de 7,6 mil toneladas para 25 mil toneladas no período, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Considerando apenas a soja, a área saiu de 1,6 mil hectares em 2012 para 6 mil hectares ano passado – a produção avançou de 4,2 mil toneladas para 15 mil toneladas no mesmo período. Ainda que tenha sido um marco para o Estado, é quase nada quando se pensa na área e na produção do Brasil.

A Embrapa estima que em 2014 a área plantada com grãos possa chegar a 20 mil hectares. Projeções para daqui a 20 anos mostram que a área deve atingir o potencial máximo, com 200 mil hectares. Hoje, as áreas de Cerrado aptas a cultivos correspondem a 932 mil hectares ou 6,5% do território do Amapá. “Desses quase um milhão, temos que descontar 50% de áreas de preservação permanente e 140 mil que pertencem a uma empresa japonesa que planta eucalipto”, explica o analista da Embrapa Amapá, Gustavo Spadotti Castro.

O potencial limitado, contudo, não tem sido um fator inibidor. Um levantamento realizado pela Embrapa com 15 dos principais produtores do Estado revela que 47% têm mais de 30 anos de experiência no setor. A maioria, inclusive, tem como origem Estados com larga tradição no agronegócio, como Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais.

O Cerrado amapaense também chamou a atenção de grandes empresas. Recentemente, representantes da Sperafico e da Coopave l sondaram analistas da Embrapa sobre as peculiaridades da região. O aumento da procura, por outro lado, levou a uma valorização das terras. Há dez anos, explica Castro, um hectare custava R$ 50. Em 2011, já tinha pulado para R$ 500. “Hoje, não sai por menos de R$ 3 mil nos melhores lugares”, diz.

“As perspectivas são positivas para o agronegócio no Amapá. Há uma demanda crescente por conhecimento e tecnologia”, afirma o pesquisador-chefe da Embrapa, Jorge Yared, que aponta o porto de Santana como um diferencial para empresas interessadas no mercado externo. O governo do Estado, por exemplo, calcula que a rota pelo Rio Amazonas proporcionaria uma redução de 30% nos custos de frete para produtores de Mato Grosso. O Estado exporta hoje 70% da produção pelos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR) e Vitória (ES). De acordo com dados do Instituto mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), seria possível transferir 50% dessa carga com a viabilização dos portos no Norte, incluindo Santana.

Apesar do otimismo, Yared diz que o aumento da produtividade do setor primário amapaense ainda depende do avanço do Estado na solução de problemas como a distribuição de terras, a situação fundiária e o licenciamento ambiental. “Uma coisa está amarrada à outra. É importante para os produtores, inclusive, para quem quer comercializar fora, ter esses aspectos legalizados”.

Por isso o governador Camilo Capiberibe (PSB) deve apresentar neste mês um zoneamento ecológico do Cerrado. Com as informações detalhadas, pretende mapear as áreas de preservação e as que de fato podem ser usadas para o plantio de grãos. “Até porque há uma expectativa de que, além da venda de commodities, o agronegócio possa agregar valor e movimentar outras cadeias produtivas”, ressalta o pesquisador.

A despeito dos benefícios, Capiberibe teme o avanço da agricultura sobre as florestas dado o potencial limitado de terras do Cerrado e o fato das duas regiões serem fronteiriças. O Amapá é o Estado mais preservado do Brasil, com 73% de áreas de conservação ambiental e terras indígenas. “É possível conviver floresta e agronegócio? A resposta Mato Grosso fornece para gente. O histórico de ocupação de terras no país na expansão da fronteira agrícola se dá contra os interesses ambientais e dos pequenos proprietários. Por isso nosso projeto de concessões florestais enfrenta tanta resistência”, afirma o governador sobre a proposta de conceder entre 1 milhão e 1,5 milhão de hectares da floresta amazônica para uma empresa regularizar a extração madeireira.

Capiberibe ressalta que o projeto vai ajudar o Estado a gerar emprego e renda para a população. A área de concessão florestal do Amapá não será licitada toda de uma vez, mas sim ao longo de dez anos, em lotes de 100 mil hectares anuais. A empresa vencedora da licitação fará o plano de manejo e poderá explorar a região por um período de até 40 anos. Cada lote pode gerar uma receita de R$ 3,5 milhões anuais, chegando a R$ 35 milhões no décimo ano.

Os recursos, segundo o governador, serão distribuídos entre o Estado, municípios e um fundo de desenvolvimento florestal, para atender as comunidades atingidas. Em dez anos, deve gerar uma receita de R$ 192,5 milhões. Trata-se de um montante significativo para um Estado que, em 2013, teve receitas tributárias próprias estimadas em R$ 735,2 milhões dentro de um orçamento de R$ 4 bilhões, composto principalmente por transferências federais (R$ 3,2 bilhões).

Em novembro foi publicado um pré-edital de licitação. O documento definitivo deve ser lançado no fim de abril em meio a resistência de deputados estaduais que questionam a legalidade da Flota desde que o governo anunciou a proposta de concessões florestais. Aprovada de forma unânime em 2006, a lei que criou a floresta estadual quase foi revogada em fevereiro pela Assembleia Legislativa.

A votação de um projeto de revogação, de autoria do deputado Eider Pena (PSD), foi adiada por recomendação do Ministério Público. O parlamentar alega que há inconstitucionalidades no projeto. Diz, por exemplo, que seis mil pessoas podem ser expulsas da floresta com o início do manejo madeireiro. A diretora-presidente do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Ana Euller, contesta os números apresentados pelo deputado.

“Estudos declaratórios mostram que há 400 famílias. E como moram lá desde antes da criação, vão ter o direito de ficar na floresta, conforme determina a própria lei”, afirma Ana, que vê motivações eleitorais na oposição dos parlamentares. “Ninguém se preocupou com os pequenos agricultores há oito anos quando a Flota foi criada. Questionam agora que temos recursos e planos de manejo e de regularização fundiária”, acrescenta. A floresta engloba uma área de quase três milhões de hectares. Passa por 10 dos 16 municípios amapaenses.

Por Fernando Taquari
Fonte: Valor Econômico 


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