No Brasil estamos instituindo a prática do mau hábito, ou tragédia, de se tomar decisões puramente políticas, negligenciando e até ignorando completamente o que é descoberto e revelado pela ciência. Fizemos isso com o Código Florestal Brasileiro e agora estamos fazendo com a Transposição ou Integração do rio São Francisco, como se esta fosse uma solução para dizimar fome e sede no Nordeste. Uma atitude típica de país de terceiro mundo. Isso, não é desenvolvimento sustentável.
Comprove-se, por esta entrevista com JOÃO SUASSUNA.
[Entrevista com João Suassuna, reproduzida do portal de ECODESENVOLVIMENTO http://www.ecodesenvolvimento.org/avina-leadership/o-nordeste-tem-muita-agua-afirma-joao-suassuna?tag=biodiversidade
e algumas informações adicionais da ASA Brasil - Articulação do Semiárido Brasileiro http://www.asabrasil.org.br/
incluindo o vídeo da rede Globo (http://glo.bo/12pIkxl), obtido através da ASA Brasil]
João Suassuna, pesquisador da Fundação
Joaquim Nabuco (Recife, PE) é engenheiro agrônomo, sendo um dos especialistas mais respeitados do Brasil quando o
assunto é a hidrologia do semiárido, principalmente em relação ao Nordeste seco
do país.
Pergunta: O senhor critica bastante o projeto de
transposição do rio São Francisco [ou Integração do S. Francisco, como alguns preferem agora
chamá-lo]. Qual a razão?
João
Suassuna: O Nordeste tem muita
água. Para você ter ideia, o Nordeste acumulou, em suas represas, algo em torno
de 37 bilhões de metros cúbicos d’água – é o maior volume de água represada em
regiões semi-áridas do mundo. O que nós não temos ao certo, é uma política
específica que faça com que esta água que já existe seja distribuída para as
torneiras das populações. E é nesse cenário que o governo federal quer trazer a
água do São Francisco para abastecer as principais represas do Nordeste e fazer
com que haja o que eles chamam de “sinergia hídrica”.
Pergunta: Qual o significado da expressão "sinergia
hídrica”?
João Suassuna: O impedimento de que as represas sequem. Mas o
que precisa estar claro é que o Nordeste tem grandes represas que jamais
secarão, mesmo com o uso contínuo dessa água. Então se a água do São Francisco
abastecer as principais represas da região, ela acabará sendo usada de maneira
errada.
Pergunta: E por que?
João Suassuna: Porque essa água não vai resolver os problemas
de quem mais precisa: a população difusa do Nordeste. E olhe que estou falando
de algo em torno de 10 milhões de pessoas, que no exacerbar de uma seca passam
sede e fome.
Pergunta: Qual alternativa o senhor propõe?
João Suassuna: Para problemas difusos, você precisa de
soluções também difusas. Ao cair nas grandes represas, a água do São Francisco
vai favorecer ao grande capital. Lá em Fortaleza, o governo do Ceará está
construindo uma siderúrgica que sozinha vai consumir um volume de água capaz de
suprir a necessidade de um município de 90 mil habitantes. Então se a água do
São Francisco cai na Barragem do Castanhão, que é a maior represa do Nordeste,
e que já há um canal que a liga até o Porto de Pecém [OBS.: CSP-Companhia Siderúrgica do Pecém, da Vale do Rio Doce em parceria com siderúrgica sul-coreana, no mun. de São Gonçalo do Amarante, próximo a Fortaleza], lógico que esta água irá
abastecer esta siderúrgica. É aí que entra o que nós consideramos como a
“indústria da seca”. Estão prometendo abastecer 12 milhões de pessoas no
Nordeste com a água do São Francisco, e não vai acontecer isso. Essa água será
utilizada para o agronegócio, e é aí que temos investido o nosso trabalho. Nós
temos 74 artigos publicados na internet denunciando essa realidade.
Pergunta: A construção de cisternas é uma boa alternativa?
João Suassuna: Sem dúvida. Não é um canal de transposição que
vai resolver os problemas socioeconômicos dos que mais precisam, no caso, a
população difusa. Ora, se hoje, nas margens do São Francisco você já tem
problemas de desabastecimento, não é um canal que vai receber tal impasse,
porque nesse projeto não há a previsão de uma distribuição razoável dessa água
para resolver o problema. Simplesmente não há.
Por intermédio da Agência Nacional das Águas
(ANA), o governo federal editou o Atlas Nordeste de Abastecimento Humano de
Água, que busca o abastecimento para 34 milhões de pessoas. Esta sim é uma
grande ideia que está sendo implantada. Abrange um número muito maior de
municípios e, pasme: custa a metade do que está previsto na transposição do Rio
São Francisco. Esse projeto atende o problema de desabastecimento para os
municípios até 5 mil habitantes. De que forma? Com a água que já existe na
região, através da adução das águas já existentes nas represas, nos poços,
enfim.
P1MC - Projeto 1 milhão de cisternas. ASA Brasil |
Pergunta: E o que é adução?
João
Suassuna: Tubulações para
recalcar a água. [OBS.: A grosso modo, recalque, também chamado de adução, significa o simples transporte de água de um determinado ponto a outro (geralmente para um local mais elevado) utilizando-se, para tanto, um sistema de bombeamento d’água, também chamado de sistema adutor] Para a área rural, referente às comunidades difusas, que moram
nos pequenos lugarejos, grotões, pés de serra, existem alternativas, como as
que vêm sendo trabalhadas pela ASA Brasil – que desenvolve um programa de 1
milhão de cisternas na região seca do Nordeste. [OBS.: ASA Brasil: A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) é uma rede formada
por mil organizações da sociedade civil que atuam na gestão e no
desenvolvimento de políticas de convivência com a região semiárida Endereço
eletrônico: http://www.asabrasil.org.br] Esse
programa já tem cerca de 300 mil cisternas implantadas. Uma cisterna de 16 mil
litros resolve o problema de uma família de 5 pessoas durante os oito meses sem
chuva na região. [OBS.: assista ao vídeo http://glo.bo/12pIkxl] O Nordeste seco concentra suas chuvas quatro meses e nos oito
meses restantes não chove, então, a cisterna rural abastece essas pessoas com
água para beber e cozinhar durante oito meses. Nós temos que incentivar esse
tipo de iniciativa, e não um projeto que vai trazer a água do São Francisco,
que fica a 500 km do local de consumo, com preços exorbitantes.
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