Rio+20: ”A grande derrota é a impotência da ONU para
enfrentar problemas”. Entrevista especial com Liszt Vieira. Alguns trechos estão aqui reproduzidos do site www.amazon.org.br.
Um dos pioneiros em discutir ecologia política no Brasil, o professor da
PUC-RJ argumenta que as conferências promovidas pela Organização das
Nações Unidas – ONU não avançam porque “as questões comerciais
também estão presentes, embora oficialmente não se trate de comércio”.
Além disso, enfatiza, a ONU, como organismo internacional, não consegue apresentar respostas aos problemas ambientais e sociais em curso. “O mundo mudou e a ONU não reflete a nova correlação de forças, que é o fortalecimento da sociedade civil e dos mercados, e o enfraquecimento relativo de muitos países. Essa ficção jurídica de que todos os países são iguais, de que cada país é um voto, leva à paralisia da ONU”.
Embora a consciência ambiental tenha aumentado nos últimos 20 anos, e a opinião de uma parcela da sociedade tenha sido representada na Cúpula dos Povos, Liszt assegura que a influência da sociedade civil “ainda foi pequena”.
Pergunta – Por que considera que a Rio+20 começou tendendo ao fracasso? Já é possível fazer uma avaliação da conferência?
Liszt Vieira – Porque os sistemas de decisão são baseados num consenso, e é difícil encontrar um consenso quando se envolve mais de 150 países: os interesses são diferentes, contraditórios. Esse sistema está falido, e a ONU está à beira da falência, por inoperância, falta de dinamismo interno para tomar decisões. Então, de antemão, já se sabia que a conferência poderia ser considerada um sucesso diplomático, mas um fracasso ambiental. Trata-se da crônica de um fracasso anunciado.
Desse ponto de vista, a governança global está posta na mesa e nem se quer foi discutida. A única coisa que os chefes de Estado recomendaram foi o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA. Os demais temas foram “arranhados” superficialmente para que se pudesse encontrar um mínimo denominador comum, o qual foi encontrado, mas que não correspondeu às expectativas mínimas e nem está à altura dos problemas ambientais que ameaçam o planeta.
Pergunta – A ONU ainda tem relevância internacional?
Liszt Vieira – A ONU não tem relevância porque não toma decisões. O núcleo duro da ONU é o Conselho de Segurança, formado por cinco países permanentes (EUA, França, Reino Unido, Rússia e China), os quais decidem por unanimidade depois da Segunda Guerra Mundial. Os países que perderam a Guerra, como Alemanha e
Japão, estão fora desse núcleo, e se um dos cinco países vetar algo, não há avanço. Não existe um sistema de governança mundial. Fora da ONU, existe a Organização Mundial do Comércio – OMC, que aplica sanções para o
bem ou para o mal, ou seja, estabelece as regras do jogo. Quem não cumpre as regras, pode ser sancionado. Então, a OMC tem uma efetividade. O Tribunal Penal Internacional julga e condena genocidas e tem alguma efetividade, mas estão fora do sistema da ONU. A ONU está em crise, paralisada. Claro que é melhor existir do que deixar de existir, porque o mundo é melhor com a ONU do que sem ela. Mas o problema é que ela não consegue dar respostas aos problemas que surgem
no mundo.
Pergunta – É possível fazer uma comparação entre a Eco-92 e a Rio+20? Diria que houve mais avanços há 20 anos?
Liszt Vieira – A Eco-92 tinha mais expectativas e esperança, porque houve a assinatura de convenções. Mas para poder assinar convenções do clima, por exemplo, os EUA exigiram esvaziá-la. Então, houve muita concessão em todas as convenções, seja do clima, da biodiversidade, da desertificação. Em relação às florestas, nem houve convenção, mas sim um protocolo, que é um grau hierárquico menor. Em contrapartida, na Eco-92 aprovaram uma Agenda 21 e uma Carta da Terra, então, houve mais seriedade nas conclusões finais, embora tenha havido muita decepção também, porque se queria que os governos estivessem à altura do esperado, e não estiveram. Mesmo assim, o resultado foi muito superior ao que se vê hoje na Rio+20, que teve um resultado desastroso, embora diplomaticamente todos os países assinaram o documento, e isso é muito positivo. Mas está longe de apresentar um esforço no sentido de equacionar os problemas do planeta.
Pergunta – Como vê a agenda ambiental brasileira, especialmente depois da Eco-92?
Liszt Vieira – O Brasil está bem e tem uma boa imagem em matéria ambiental, porque tem sua matriz energética renovável. No exterior, o país é muito respeitado. Na Inglaterra, menos de 3% da energia é renovável; na Europa, a média é cerca de 8%, enquanto que no Brasil, a média é de 50%. A hidrelétrica, em princípio, é renovável. Outro debate é discutir se Belo Monte deve ou não ser construída, porque tem de avaliar a relação custo/benefício: se o governo gasta muito e a capacidade energética é pequena, não vale a pena, mas se gasta pouco e tem uma capacidade energética boa, vale. O Brasil poderia assumir uma liderança ambiental maior, porque está numa situação relativamente confortável.
O grande vilão era o desmatamento, mas ele foi controlado, e a Amazônia está preservada [OBS./AUTOR DESTE BLOG: dizer que a situação foi "controlada", penso ser muito otimismo, uma vez que ainda há desmatamentos para expansão de uma agropecuária ineficiente onde a taxa de ocupação é de 1,4 cabeça por hectare contra 4,5 cabeças por hectare na região sudeste, por exemplo]. De um modo geral, olhando o mundo como um todo, o Brasil está bem. Obviamente, críticas podem ser feitas e o governo poderia ser mais agressivo na proteção das florestas, na ecologia urbana, em saneamento básico etc. Mas nos últimos 20 anos, o país cresceu, aumentou a renda, diminuiu o número de pobres. O problema ambiental é global, e não adianta um único país fazer o dever de casa. Mesmo que ele não polua nada, vai sofrer os impactos das mudanças climáticas. Por isso a solução tem de ser encontrada no plano mundial. A globalização não é só econômica, financeira, tecnológica.
Pergunta – Como vê a mobilização da Cúpula dos Povos? Essas manifestações têm algum impacto político?
Liszt Vieira – Elas terão impacto no futuro. No momento, a ansiedade e a angústia do governo brasileiro era chegar a um acordo, e que a Rio+20 não fosse vista como um fracasso. Por isso eles apressaram a conclusão de um acordo em detrimento da qualidade do texto. Mas a pressão da sociedade civil será muito forte nos países
onde os governos têm de se reeleger, e onde as organizações da sociedade civil têm peso de mobilização. Com o agravamento da questão ambiental, essas manifestações vão refletir num sentido de maior peso da sociedade civil nas decisões a serem tomadas. Mas, no momento, a influência ainda foi pequena.
[A entrevista se estende um pouco mais, concluindo com opinião do Dr. Liszt Vieira sobre governança global e sobre como um organismo internacional como a ONU deveria ser reestruturado]
- Posted using BlogPress from my iPad